Publicado em 12 de Setembro de 2017 às 11:06
Na manhã de segunda-feira (11), Dia Nacional do Cerrado, comunidades ribeirinhas, agricultores e agricultoras familiares da bacia do rio Pacuí, cerca de 56 km de distância de Montes Claros, no Norte de Minas, protestaram contra a obra da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) de transposição desse afluente do rio São Francisco. O ato aconteceu no município de Coração de Jesus e reuniu cerca de 300 pessoas. No local, os manifestantes foram impedidos pela Polícia Militar de entrar no canteiro de obras.
“Foi com muita surpresa que os cidadãos de Montes Claros receberam a informação da Copasa que a cidade estava correndo o risco de ser desabastecida e que precisaria de uma obra emergencial de captação de água a ser instalada na bacia do rio Pacuí, que ocupa uma área de 3.892 km²”, conta Carlos Dayrell, pesquisador e colaborador do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA/NM). “O projeto da obra, estimada em cerca de R$135 milhões, foi elaborado e sua execução iniciada sem nenhuma discussão com a cidade e, pior ainda, sem nenhum diálogo com as comunidades rurais e com os poderes públicos municipais da bacia do rio”, completa.
Os agricultores familiares e as comunidades da bacia do Pacuí estão apreensivos e defendem que o rio precisa de uma revitalização. Além disso, eles avaliam que as carretas que passam diariamente com os canos da obra têm destruído a estrada que leva os moradores e seus produtos às cidades mais próximas. “Essa obra vai afetar todos os ribeirinhos que precisam da água para matar a sede, dar de beber aos animais e produzirem alimentos. Muitas famílias daqui vivem da produção hortifrutigranjeira para abastecimento dos sacolões e supermercados de Montes Claros”, explica Cícero Neiva Melo Crisóstomo, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Coração de Jesus. “Os rios que abastecem o Pacuí já estão secos, por isso, não faz sentido realizar essa transposição e sim a revitalização da bacia”, acrescenta.
Osmar Padre, ribeirinho do município de Ibiaí, vive há mais de 40 anos na margem do rio Pacuí e depende desse recurso hídrico para sobreviver. O agricultor revela que o curso d’água já não chega à sua casa como há 20 anos. “Sabemos que Montes Claros precisa de água, meus filhos moram lá, sei bem da situação. Mas essa transposição não é a solução. Nós estamos dispostos a lutar por nossa causa”, afirma.
A agricultora Naiara Oliveira Silva, da comunidade de São João da Vereda e representante da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg), lembra que a agricultura familiar é responsável por mais de 70% do abastecimento de alimentos na mesa do brasileiro.
“Temos visto quase 10 carretas passando por aqui, diariamente. A Copasa sequer se preocupa com a estrada que produtores usam pra levar suas mercadorias até Montes Claros. E o que mais me indigna é que eles vão matar um rio que já está numa situação precária. Se a gente não tiver água pra plantar e não tiver como levar nossos produtos para as cidades, como é que as pessoas vão comer?”, questiona. “Eles têm recurso para resolver o problema da água de outra maneira, mas eles querem é lucrar com uma obra perdida. Eles têm dinheiro, mas a gente tem força, e esse é só o primeiro manifesto! Vamos à luta companheiras e companheiros, porque trabalhador não desiste nunca!”, completa.
A escassez de água afeta os modos de vida das comunidades, incluindo as crianças e jovens, como é o caso de Railson Correia, de 14 anos, morador do Assentamento Irmã Dorothy. “Quando eu era mais novo eu brincava naquela ponte, tinha bastante água, então a gente podia pular e nadar. Hoje não podemos brincar ali mais, senão a gente pode se machucar”, lembra.
Participação
A manifestação também atraiu prefeitos e vereadores de cidades da região, além de movimentos em defesa da água e do bioma Cerrado integrantes da Articulação Rosalino Gomes de Povos e Comunidades Tradicionais. “Em nome do Movimento Geraizeiro e de todos os povos de Salinas, Fruta de Leite, São João do Paraíso, Rio Pardo de Minas, Taiobeiras, estou aqui para dizer que vocês não estão sós. Nós temos o compromisso de defender o nosso bioma”, disse Orlando dos Santos, liderança do Movimento Geraizeiro em Novo Horizonte e integrante da Comissão Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais.
“Em nome das Apanhadoras de Flores Sempre-Viva, estou aqui para oferecer todo o apoio no que for necessário. A luta de vocês é a nossa luta! As lutas nunca são sozinhas! É uma luta justa e válida, porque a água é direito de todas e todos”, diz Tatinha Alves, apanhadora de flor da região de Diamantina.
Estudo técnico
Preocupados com a situação, os sindicatos dos trabalhadores rurais da região solicitaram ao CAA/NM um estudo que apresente alternativas ao empreendimento da Copasa. A pesquisa constatou que, para atender a demanda emergencial de água da população de Montes Claros, não é necessária a obra planejada para a bacia do rio Pacuí, mas sim que a Companhia e os órgãos de governo do Estado de Minas Gerais promovessem a imediata desapropriação de cerca de 8.000 hectares de monocultura do eucalipto que está localizada nas cabeceiras dos rios do Juramento, Saracura e Canoas.
O estudo realizado comprovou ainda que apenas a monocultura instalada nas cabeceiras dos córregos que formam o rio do Juramento é responsável por uma diminuição da recarga hídrica anual da ordem de 18 milhões de metros cúbicos. Ou seja, esse volume de água representa quase 40% do volume total armazenado pela Barragem de Juramento, que atualmente abastece o município de Montes Claros. “Mas, o problema não está localizado apenas nas áreas com a monocultura do eucalipto. As extensas áreas de pastagens também não possuem práticas conservacionistas, com indícios evidentes de degradação dos solos em função do escorrimento superficial das águas da chuva”, complementa Carlos Dayrell.
Alternativas para o Pacuí
O CAA/NM atua há trinta anos no Norte de Minas e participa da Rede Cerrado, da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA Brasil) e da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). Tendo como missão contribuir com as organizações e movimentos sociais na construção de propostas de fortalecimento da agricultura familiar e camponesa e pelos direitos de povos e comunidades tradicionais, o CAA/NM entende a água como um bem comum, direito de todos e todas, desta geração e das gerações futuras. “O contexto atual da bacia é muito grave e o quadro para os próximos anos é de secamento generalizado das reservas hídricas, se não houver um enorme esforço de revitalização do Pacuí e de todas as bacias que aqui têm suas nascentes”, reforça Carlos Dayrell.
Para isso, o pesquisador aponta alguns caminhos, como a recuperação das áreas de matas ciliares e cercamento das nascentes; construção de estradas ecológicas; construção de pequenas barragens nas estradas internas e áreas de pastagens e lavouras; recuperação das áreas degradadas; implantação de sistemas silvipastoris nas áreas de pastagens, através de faixas de vegetação nativa; estímulo à produção orgânica e agroecológica; estímulo à captação de água das chuvas nas residências; entre outras medidas.
Postado por: Paula Lanza Barbosa
Editado por: Paula Lanza Barbosa