Publicado em 6 de Dezembro de 2017 às 18:14
No dia 20 de novembro, a Articulação Rosalino Gomes de Povos e Comunidades Tradicionais reuniu com o Governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, para debater sua pauta de reivindicações. Participaram representantes dos povos indígenas Tuxá e Xakriabá e comunidades tradicionais geraizeiras, vazanteiras, quilombolas, veredeiras e apanhadores de flores sempre-vivas, além das Secretarias Estaduais de Direitos Humanos e Educação.
“Essa reunião foi fundamental, representa um marco, um divisor de águas da relação entre a Articulação Rosalino e o Governo do Estado, porque a articulação apresentou pro Governo, há muito tempo, as propostas de todos os povos e de como poderia construir uma política de regularização dos territórios dos povos e comunidades tradicionais, e políticas públicas voltadas a esses povos”, avaliou Leninha Alves, coordenadora de articulação política do CAA-NM. “Estamos confiantes que o governador vai de fato cumprir com a promessa feita de não haver despejo do povo do Quilombo da Lapinha, de não haver a retirada do povo Tuxá do seu território, então, além de esperar, nós vamos continuar pressionando e lutando, para que tudo o que foi negociado hoje, conversado e acertado possa de fato acontecer nesse curto período de tempo que nós temos”, acrescentou.
Após o encontro foi realizada solenidade de assinatura do decreto que regulamenta a lei 21.147, que instituiu a Política Estadual de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais. “A gente percebe que o Governador realmente está disposto a nos apoiar na nossa luta e no nosso trabalho de tentar recuperar as nossas nascentes, as nossas veredas, os nossos frutos do Cerrado. A reunião foi muito boa, a gente espera que o decreto seja mais um suporte para as comunidades tradicionais. Tomara que as coisas aconteçam do jeito que ele prometeu”, declarou Jaime Alves dos Santos.
Para Leninha, “o decreto é importante porque cria uma ferramenta legal para que todo o processo de mobilização e de organização dos povos tradicionais que já vem sendo feito tenha aparato jurídico, o que pressiona o Estado a realizar a regularização dos territórios dos povos tradicionais”.
Promessa antiga
A reunião é resultado de um compromisso assumido pelo governador em 2015, durante cerimônia realizada em Montes Claros, alusiva aos 30 anos do livro O Povo Brasileiro do antropólogo montesclarense Darcy Ribeiro, que contou com a presença do presidente Lula. Como processo preparatório à reunião, a Mesa de Diálogo e Negociação de Conflitos Socioambientais e Fundiários, instância estadual de mediação, realizou, de 5 a 11 de novembro, uma semana de visitas e reuniões em áreas ocupadas pelas comunidades tradicionais geraizeiras, quilombolas, vazanteiras, veredeiras e indígenas, organizadas pela Articulação Rosalino, objeto de conflitos socioambientais.
“Eu achei que valeu a pena a espera, pois tive a impressão de que nós povos nos sentimos gente, que fomos bem recebidos. Como as lideranças lembraram, nunca houve um Governo que nos ouvisse na base, que foi o que a caravana da Mesa de Diálogo fez nos territórios”, afirmou o geraizeiro Braulino Caetano dos Santos, membro da Articulação Rosalino e da direção do CAA-NM. “O resultado é esse documento completo que temos em mãos. Agora temos argumentos para poder discutir embasados em um documento que o governo mesmo fez pra dar suporte pra gente. Precisamos continuar lutando juntos e não dividir o grupo, pois temos tudo para vencer”, completou.
Caravana da Mesa de Diálogo
Durante uma semana, a equipe da Mesa de Diálogo e Negociação de Conflitos Socioambientais e Fundiários visitou a Terra Indígena Tuxá (município de Buritizeiro), Fazenda Marilândia, Comunidade de Pau Preto (Manga), ilha de Pau de Légua e Quilombo da Lapinha (Matias Cardoso), Comunidade de Peixe Bravo (Riacho dos Machados), Comunidade de Vereda Funda (Rio Pardo de Minas), Indaiabira e São João do Paraíso. Nessas localidades, os integrantes da Mesa se reuniram também com as comunidades do entorno que passam por situações de conflitos socioambientais.
“Estou aqui, antes de tudo, pelo compromisso que tenho com vocês”, afirmou Lígia Pereira, chefe de gabinete da Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag) e coordenadora da Mesa de Diálogo, fazendo menção à promessa firmada no dia 15 de agosto de 2017, em reunião com a Articulação Rosalino, no Solar dos Sertões, em Montes Claros. “A Mesa está aqui para escutar vocês, para conhecer os territórios, e assim contribuir nas negociações e fazer o que for necessário para que seus direitos sejam preservados”, acrescentou.
Na Terra Indígena Tuxá, Lígia e sua equipe foi recebida pela cacique Anália e pela pagé Analice, que apresentou o seu povo: “Os Tuxá são um povo pacífico, de luta, que pega na terra, que vive da terra, que vive da pescaria, dos plantios, dos rituais, em contato com o rio. Aqui temos hortas, pomares, pequenos animais para nosso sustento. Fomos criados dentro dessa cultura. E é essa cultura que quero levar pra esses ‘gurumim’, pra que amanhã, quando eu for, ficar o legado. Nós vamos ficar anciãs, e nós precisamos levar a cultura pra nosso povo! Mas pra que isso aconteça, a gente precisa ter o território. Nós temos que ter a nossa terra”.
Outro território ameaçado de despejo, também visitado pela Mesa, foi o Quilombo da Lapinha, em Matias Cardoso. Ao chegar, a equipe do Governo do Estado foi introduzida na história do território, por um ato em frente à sede da Casa Grande, território pertencente aos quilombolas, hoje ocupado pelo Parque Estadual Lagoa do Cajueiro.
Assim como a grande maioria dos quilombolas da Lapinha, a família de Dinda, liderança da comunidade, iniciou sua história no território ocupado pelo parque: “Minha mãe teve todos os seis filhos debaixo de um barraco de lona ali. Nasci na luta e vou continuar vivendo na luta. O Governo comprou esse terreno com nós aqui dentro. Quando passou para o IEF, a gente já estava aqui. Nos desacataram, não respeitaram os direitos do ser humano”.
O Quilombo da Lapinha também faz parte da Articulação Vazanteiros em Movimento, que reúne comunidades vazanteiras encurraladas pelos parques. A agricultura vazanteira está associada aos ciclos da enchente, cheia, vazante e seca do Rio São Francisco. Sem a garantia de uso do território ao qual tinham livre acesso no passado, não conseguem dar continuidade ao extrativismo, pesca e criação de animais, o que compromete sua subsistência. “Naqueles 22 hectares em que estamos, estamos cercados. Não temos lugar para plantar. Até hoje nunca incomodamos essa fazenda aqui, porque temos respeito. Mas a única coisa que a gente quer é viver livre, é criar nossos filhos livre. Se tem algo ainda preservado aqui, fomos nós do quilombo que preservamos”, concluiu Dinda.
Postado por: Paula Lanza Barbosa
Editado por: Paula Lanza Barbosa