Uma palavra só: comunidades apanhadoras de flores reivindicam o reconhecimento do direito de acesso e uso da biodiversidade
Uma palavra só: comunidades apanhadoras de flores reivindicam o reconhecimento do direito de acesso e uso da biodiversidade

Uma palavra só: comunidades apanhadoras de flores reivindicam o reconhecimento do direito de acesso e uso da biodiversidade

Por Helen Dayane Rodrigues Santa Rosa
Editado por Helen Dayane Rodrigues Santa Rosa

Publicado em 17 de Abril de 2017 às 17:45

Por Comunicação Codecex

Eles estão despreservando a natureza que a gente preservou. Eles estão despreservando a nossa natureza. Dona Jovita, Mata dos Crioulos.

 

Nos dias 10 a 12 de abril de 2017 ocorreu em Diamantina, MG, o seminário "Direito de acesso e uso da biodiversidade por povos e comunidades tradicionais". Organizado pela Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (CODECEX) em parceria com o CAA-NM e com a HEKS-EPER, o evento discutiu o direito à biodiversidade e à "panha" de flores sempre-vivas pelos povos e comunidades  tradicionais da região de Diamantina. Oportunizou também ricos momentos de intercâmbios de experiências nas temáticas terra e território e conservação da biodiversidade. Além de representantes das comunidades Braúnas, Macacos, São João da Chapada,  Raiz, Vargem do Inhaí e  das diferentes localidades da Mata dos Crioulos, participaram pesquisadores/as do Núcleo de Estudos em Agroecologia e Campesinato (UFVJM), do Núcleo de Estudos em Ecofisiologia Vegetal (UFVJM), da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), da Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais - GESTA (UFMG); além de representantes da organização de direitos humanos Terra de Direitos, da Articulação Pacari e da Associação Amanu.

                                  

Contexto

 

Os territórios das comunidades apanhadoras de flores localizam-se na porção meridional da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais. Muitas dessas comunidades se auto reconhecem também como quilombolas. Historicamente elas vivem da "panha" de flores secas do Cerrado e outros (frutos secos, sementes, cipós entre outros em campos de uso comum e familiar, além de praticarem agricultura e pecuária tradicionais com uso de ampla agrobiodiversidade).

 

As comunidades apanhadoras de flores manejam, utilizam e conservam em seus territórios mais de 200 espécies da biodiversidade nativa voltadas à ornamentação. As flores sempre-vivas fazem parte da cultura e da vida dessas comunidades e integram seus modos de ser, viver e conhecer. São flores que guardam sua cor e sua forma por um longo período e são utilizadas como artefatos decorativos, compondo tradições culturais e religiosas do povo mineiro.

Um dos conhecimentos associado ao manejo do Cerrado é a utilização do fogo. Estudos científicos comprovam que a biodiversidade do Cerrado necessita do fogo controlado para quebrar a dormência das sementes e reciclagem de nutrientes dos solos  para germinação. As comunidades tradicionais dessa região desenvolveram há décadas o manejo controlado do fogo, evitando incêndios desenfreados e favorecendo a germinação e a coleta sustentável dos recursos da flora. No entanto, a “panha” de flores, como se referem as comunidades à coleta tradicional das inflorescências, está ameaçada por vários conflitos que permeiam seus territórios no decorrer das últimas décadas.

 

 

 

Conflitos

A atividade da "panha" (coleta), tradicionalmente realizada pelos povos e comunidades tradicionais da porção meridional da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, tem sido fortemente ameaçada por processos de expropriação territorial e mercantilização das terras. Os principais conflitos relacionam-se a três eixos principais:  terra e  território, as ameaças à biodiversidade e à criminalização das apanhadoras e apanhadores de flores.

O conflito territorial tem no Estado brasileiro e mineiro a figura central de violações de direitos humanos. Após a demarcação arbitrária e sem qualquer consulta às comunidades locais, instalou-se o Parque Nacional das Sempre-vivas em extensa área que abrange os locais de coleta, cultivo e moradia das famílias, as quais viram suas atividades de renda e subsistência cerceadas. As comunidades  reivindicam a mudança da categorização do PARNA para a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) prevista na Lei 9.985/2000 que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, a qual é regulamentada pelo Decreto 4.340/2002. Tal modalidade permitiria a continuidade do manejo sustentável e conservação dos ecossistemas pelas comunidades apanhadoras de flores, reconhecendo seu papel como verdadeiras guardiãs da biodiversidade.

Após a instalação de Unidades de Conservação de Proteção Integral, como o PARNA das Sempre-vivas e do Parque Estadual do Rio Preto, as comunidades foram proibidas de realizar a “panha” das flores. Os/as apanhadores/as de flores já sofreram inúmeras ameaças, torturas psicológicas, criminalização com emissão de multas indevidas e abusivas pelos órgãos ambientais, resultando inclusive em quadros de depressão e adoecimento. Por outro lado, a  permissão de ocupação ostensiva das terras do Cerrado pelo agronegócio e pela mineração, concomitante à criminalização das comunidades tradicionais, evidenciam a falácia do discurso ambiental de preservação e a escolha política de um modelo de desenvolvimento de mercantilização da natureza.

Não bastasse o acirramento destes embates, as comunidades ainda percebem a chegada de empresas “biopiratas”, isto é, empresas que se apropriam dos conhecimentos tradicionais de manejo, cultivo e coleta associado às flores sempre-vivas sem sequer realizar junto às comunidades as devidas consultas prévias e informadas, bem como  devida repartição dos benefícios sobre a comercialização s. Corre-se o risco também do patenteamento privado dos conhecimentos tradicionais e da utilização das brechas legais da Lei 13.123/2015 (chamada de Lei da Biopirataria pelos movimentos sociais) para cercear as próprias comunidades de seu conhecimento tradicional.

Diante dessa realidade a Codecex reivindica o reconhecimento dos direitos territoriais e de livre acesso e uso da biodiversidade pelas comunidades apanhadoras de flores que compõem a riqueza dos povos e comunidades tradicionais da Serra do Espinhaço e do Brasil

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Criada em 2010, a CODECEX representa os/as apanhadores/as de flores sempre vivas na Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais e no Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais.

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