Publicado em 21 de Dezembro de 2018 às 19:28
Mudam-se as trincheiras, conserva-se a raiz: eleita como a primeira deputada estadual negra pelo partido dos trabalhadores, a história de Leninha Alves de Souza vem da base e da luta ao lado do povo.
Acreditar em quem a gente é e no que a gente faz são certezas que sempre devemos cultivar dentro da gente, assim outras sementes vão sendo plantadas e outras estradas vão se florindo pelo caminho. Há cerca de 30 anos a história de vida de Leninha Alves de Souza, se juntou a trajetória de luta do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, e aqui ela se fez parte do sertão semiárido, soube ouvir os povos, olhou com carinho e bem querer toda diversidade e cultura da região, contribuiu na construção de importantes políticas públicas e ações que hoje refletem na melhoria de vida de diversas comunidades.
Leninha é norte-mineira, natural de Montes Claros, graduada em Biologia e Mestre em Desenvolvimento Social pela Universidade Estadual de Montes Claros. Durante toda a sua vida atuou junto aos movimentos e organizações sociais. Foi professora da rede estadual e municipal, diretora do Sind-Ute, presidente da CUT Regional, diretora da Cáritas Brasileira. Participou de fóruns, conselhos, pastorais sociais, sempre defendendo os trabalhadores/as, povos e comunidades tradicionais. Em 2018 foi eleita deputada Estadual por Minas Gerais, o que reflete anos em defesa dos direitos humanos e na busca por uma sociedade mais justa e sustentável.
As trincheiras de luta se alteram daqui pra frente, mas o lado é e será o lado do povo. No próximo ano Leninha ocupará uma das 77 cadeiras da Assembleia Legislativa, sendo porta voz das pessoas por quem sempre trabalhou.
Neste especial de fim de ano, o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas entrevistou a deputada e alguns parceiros de luta do campo e da cidade, para saber as expectativas e anseios para o mandato que se inicia em 2019.
CAA-NM: Leninha, como se construiu a sua relação com o CAA-NM?
Esta relação faz 30 anos em 2019, entre colaboradora e membro da coordenação. Então significa que tudo que eu aprendi, como me relacionar, como fazer as defesas, como me posicionar no mundo e na sociedade, vem muito dessa experiência que o CAA me possibilitou na instituição e nos espaços que eu o representei. O CAA investiu na minha formação e me possibilitou dialogar não só aqui no Brasil, mas como também para fora, a partir das relações internacionais.
CAA-NM: E quais foram essas experiências que você teve aqui?
Leninha: O CAA me possibilitou conhecer gente, povos, comunidades e realidades muito distintas da que eu estava habituada. Me possibilitou com certeza um crescimento intelectual e um crescimento político ao longo dos anos. Tudo que o CAA faz com suas dinâmicas tão intensas, faz com que as pessoas que estão envolvidas com o trabalho, tenham de fato a oportunidade para ampliar seus conhecimentos e mais do que isso valorizar o conhecimento e sabedoria dos povos, incorporando com o conhecimento técnico e fazendo dessas trocas um processo de ensino-aprendizado.
CAA-NM: O que as pautas de luta da sua trajetória significam na sua eleição?
Leninha: Eu atribuo muito o resultado eleitoral em cima de todo debate que a gente vem fazendo no campo do desenvolvimento rural, principalmente pegando o semiárido, o norte de minas e o vale, e as principais lutas que organizações sociais vem travando quando falamos sobre a questão da água, as mulheres, sobre a juventude, economia popular solidária, agroecologia, crianças e adolescentes. Também a pauta de luta dos povos e comunidades tradicionais e a organização através da Articulação Rosalino foram fundamental na construção do nosso debate e alianças. Outro desafio que enfrentamos ao concorrer a prefeitura de Montes Claros nos colocou o desafio de pensar um projeto de cidade sustentável, saudável e solidária. Foram e são essas lutas o meu alicerce que com certeza me pautarão e me sustentarão.
CAA-NM: Você vem debatendo em diferentes ambientes essas bandeiras de luta há anos. Por qual motivo você se colocou como candidata e quis debater temas tão importantes na Assembleia Legislativa?
Leninha: Essas são questões que estão aí na sociedade, e que do ponto de vista da construção e formulação da política pública, a gente ainda carece de pessoas que dialoguem com essas temáticas, com aquilo que a gente vem fazendo na região e que dialogue com aquilo que a gente vem construindo. É importante mudar de uma trincheira para outra. Encerra-se um ciclo aqui, do ponto de vista formal com a instituição, e inaugura-se um novo ciclo no parlamento onde tudo que foi construído a experiência acumulada e as construções realizadas nesses temas vão ser levadas na perspectiva de debater a política pública de desenvolvimento para o estado.
CAA-NM: Quais os desafios você acredita que virão nos próximos quatro anos?
Leninha: Eu creio que teremos que ficar vigilantes, tanto no contexto nacional, quanto estadual. No Estado mais vigilante ainda porque nós é que vamos, de certa forma, dialogar com projetos que tem a ver com a vida dos trabalhadores e trabalhadoras, dos povos e comunidades tradicionais. Nesses 4 anos me preocupa também a questão do processo de criminalização dos movimentos sociais, das organizações que se posicionam a favor dos direitos humanos. Vamos ter uma luta grande do ponto de vista dos servidores do estado, principalmente a educação e saúde, mas também vamos enfrentar problemas como a regularização fundiária, pelo fato do estado ter muita terra devoluta e aqui em Minas a gente está em um processo crescente de luta pela reforma agrária e garantia dos territórios tradicionais. Precisamos continuar desenvolvendo mecanismos e políticas para garantia de direitos e para a garantia do acesso a terra e território.
CAA-NM: Como se dará o desenvolvimento dessas intervenções?
Leninha: Temos que dialogar com a sociedade, porque é fundamental que ela acompanhe através dos mandatos o que vem acontecendo em Minas e no país. É importante também que a sociedade nos acompanhe nas confecções e análises sobre esse processo de não penalização dos mais pobres, em função de um ajuste ou de saídas para uma crise.
CAA-NM: Uma pauta que fica bastante evidente com a sua eleição é o fato de você ser a primeira mulher negra do partido dos trabalhadores a ocupar uma cadeira na Assembleia. O que isso significa para você?
Leninha: Ser mulher e ser mulher negra no parlamento significa que para além das pautas em comum das mulheres, nós devemos aprofundar questões de interseccionalidade, considerando a diversidade das mulheres, seja em cor, raça e sexualidade. Precisamos aprofundar na perspectiva de organização das mulheres, da construção de políticas específicas para as mulheres, assim como lutar pela justiça na questão da divisão do trabalho, questões sobre a igualdade na remuneração das mulheres e na luta contra a violência.
CAA-NM: Sempre tivemos um baixo número de mulheres eleitas e sempre é posto o desafio de eleger mulheres que nos representam. Este ano, não apenas no cenário estadual, como também no nacional, tivemos algumas mudanças. Como avalia a participação da mulher nos espaços políticos?
Leninha: É um debate que a gente vem fazendo, de que não basta ser mulher, mas é preciso que esses espaços sejam ocupados por mulheres com condições e capacidade de fazer o enfrentamento que o parlamento vai precisar. A maior parte das mulheres que foram eleitas tem trajetória e tem história através da luta popular e política. Acredito que isso possa fazer diferença no momento real de apresentar os projetos de lei na assembleia e de fazer os debates nas comissões.
CAA-NM: Para finalizar, quais são os anseios positivos para os próximos anos?
Leninha: Precisamos manter essa nossa capacidade de resiliência, no sentido da gente ter um mandato que comunique melhor sobre as pautas que vão acontecer neste Estado. Que a gente possa ter capacidade de retaguarda para poder fazer os movimentos necessários para lutar e se manter unido para enfrentar os desafios. Queremos um mandato na assembleia, o qual a gente possa sempre acionar as forças da população para fazer o enfrentamento que a gente precisar fazer.
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Postado por: Indinayara Francielle Batista Gouveia
Editado por: Indinayara Francielle Batista Gouveia