Publicado em 1 de Fevereiro de 2019 às 18:38
O povo krahô-kanela, habitante da Terra Indígena Mata Alagada, que dista 300 km de Palmas, capital do Tocantins, tem realizado um trabalho fundamental de conservação de seu território. As ações de vigilância conduzidas pelos próprios indígenas fazem parte do Projeto Irom Cati, realizado pela Associação do Povo Indígena Krahô-Kanela (Apoinkk), com o apoio do DGM Brasil.
O objetivo da vigilância permanente é impedir a exploração ilegal da água por empreendimentos agrícolas, a caça e pesca de espécies do Cerrado tocantinense, bem como a retirada de madeira, nos cerca de 7.600 ha de uma área total de 31.000 ha pertencentes ao território indígena. Dessa maneira, o povo krahô-kanela tem contribuído para a proteção dos rios Formoso e Javaés, importantes afluentes do Araguaia. A iniciativa envolve toda a comunidade da Aldeia Lankraré, que fica próxima ao município de Lagoa da Confusão (TO).
“Houve a diminuição de 90% de pescadores, caçadores e madeireiros na nossa área; as caravanas não entram mais aqui; as pessoas passaram a nos respeitar depois desse trabalho, a entender que essa terra é do indígena; além disso, passamos a receber apoio das comunidades do entorno da Terra Indígena, a partir do momento em que elas tiveram contato com nosso trabalho e começaram a se beneficiar dos resultados da conservação dos recursos naturais da região”, revela Wagner Katamy Krahô-Kanela, coordenador do projeto. “Ao mesmo tempo, conseguimos sensibilizar a juventude para que essa passe a se preocupar com o território e a aprender com nossos anciãos, a conhecer a terra indígena, a saber da história do lugar. Esse é o legado que o projeto traz”, acrescenta.
Leisa Krahô-Kanela, professora da escola indígena da Aldeia Lankraré, também evidencia as mudanças trazidas pelo projeto Irom Cati: “A transformação é nítida. Antes do projeto, os lagos estavam desgastados, tinha muitos caçadores dentro da terra, e a partir do momento em que o projeto deu início, as pessoas do município ficaram sabendo, então passaram a ter receio de entrar na área sem permissão. O Lago Vermelho estava muito devastado, nem peixe a gente encontrava lá. Hoje já está praticamente restaurado e os peixes e as caças voltaram a aparecer. Então, o maior benefício foi a preservação da nossa aldeia”.
A jovem professora conta ainda que em todas as ações se buscou o envolvimento de crianças, jovens e anciãos: “Contribuí no projeto no preparo dos alimentos e nas incursões pelos lagos, rios e matas. A experiência foi muito boa. Na época de estiagem montamos a cozinha em um acampamento à beira do rio e levamos crianças e jovens conosco, para já irem interagindo desde cedo, para conhecerem sua terra, no intuito de que quando crescerem, já possam estar engajados na preservação da nossa área”.
Parcerias
Ao todo foram 12 incursões de vigilância durante o período de um ano, realizadas pelos comunitários, em parceria com a Fundação Nacional do Índio (Funai), Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
“Foi uma experiência muito boa, esse trabalho veio em um momento muito importante de aproximação maior do Governo do Estado com a comunidade indígena Krahô-Kanela e demais etnias. O projeto fez com que a comunidade se tornasse parceira do Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins) para fiscalização dos recursos naturais dentro da própria área indígena”, avalia Jorge Luís Vasconcelos da Silva, fiscal de recursos naturais renováveis do Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins). “Antes do projeto, em anos anteriores, era notável a presença de pessoas não indígenas que vinham para a área pescar e caçar. Certamente sem o conhecimento ou a permissão da comunidade indígena. Com esse trabalho já houve uma redução significativa na prática de crimes e infrações ambientais, pois a sociedade passou a ter um novo olhar em relação à comunidade, está testemunhando que os indígenas têm controle do uso dos recursos naturais”, completa.
Juarez de Sales Mendonça, servidor da Funai na Coordenação Técnica Local (CTL) de Gurupi (TO), reforça essa visão: “A gente já tem uma longa convivência de trabalho juntos, nos entendemos muito bem. Superamos todas as expectativas, não esperávamos que fosse surtir todo esse efeito que surtiu. Hoje não se vê nenhuma pesca predatória, prova disso é o aumento da quantidade de peixes e tartarugas. Gostaria de parabenizar a comunidade, mulheres e homens, que se engajaram desde o início sem medir esforços, pelo empenho, interesse, garra, pelos longos dias e finais de semana trabalhados”.
Além das incursões foi realizada uma oficina de capacitação sobre o trabalho de vigilância, planejamento e orientação sobre como seriam formados os grupos de trabalho a cada etapa; intercâmbio entre os povos krahô-kanela e macuxi em Roraima para conhecimento do trabalho de vigilância, de roça tradicional e criação de gado; reuniões mensais de avaliação com a população da Aldeia Lankraré; adequação de barracão que servirá de sede da Apoinkk e para acomodar os equipamentos adquiridos no âmbito do Projeto Irom Cati (motos, barco, motor de popa, notebook, máquina fotográfica, fogão e utensílios de cozinha). As ações tiveram início em setembro de 2017 e finalizaram em dezembro de 2018.
Visita de finalização
Nos dias 17 e 18 de dezembro de 2018, integrantes do Projeto Irom Cati receberam Srewe Xerente, coordenador do Comitê Gestor Nacional do DGM Brasil, e Álvaro Carrara, coordenador-executivo do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA/NM), agência executora nacional do DGM Brasil, na Aldeia Lankraré, Terra Indígena Krahô-Kanela (Mata Alagada), no município de Lagoa da Confusão (TO).
O objetivo da visita foi acompanhar a última etapa de vigilância territorial e ambiental da T.I. Krahô-Kanela, ação que tem por objetivo proteger o território contra caçadores, pescadores e madeireiros que entram no território para práticas de crimes ambientais.
Para Srewe Xerente, coordenador do Comitê Gestor Nacional do DGM Brasil, é possível perceber que o projeto “traz para as comunidades indígenas a possibilidade de manter o território livre da ação humana depredatória, de fortalecer os valores culturais, de fomentar as ferramentas para que as iniciativas possam buscar mais parcerias para dar continuidade aos projetos”.
No primeiro dia, o grupo percorreu a região do Rio Formoso e lagos existentes na T.I., incluindo a área ainda não demarcada. Visitaram a Aldeia Velha e Lago da Praia, onde será construída a Base Permanente de Vigilância, passando pela Praia Rica, onde foi realizado o resgate de filhotes de tartaruga.
No trajeto foi possível registrar a presença de espécies da fauna nativa do bioma Cerrado, como o jacaré tinga, a lontra, a capivara, o piau voador, o manguari, o jacu cigano, a garça branca, a gaivota, e a flora do Cerrado, representada pelo jatobá, landi, canjirana, criuli, saram, louro e goiabinha. No segundo dia, o grupo percorreu o Rio Javaé e entorno. Também visitaram a construção da casa de alvenaria que será a sede da Associação do Povo Indígena Krahô-Kanela (Apoinkk) – a qual está em fase de finalização.
Ainda segundo Srewe, “a ideia é conservar os recursos naturais não só para a aldeia, mas oferecer esses resultados para o Brasil e o mundo, porque é uma reserva que detém bastante recursos naturais, com uma rica biodiversidade que deve continuar a ser protegida por meio de mais incentivos no âmbito do bioma Cerrado”.
Álvaro Carrara, coordenador-executivo do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA/NM), agência executora nacional do DGM Brasil, destaca a importância da participação dos membros comunitários e da persistência da coordenação, representada por Wagner Krahô-Kanela, “que procurou envolver toda a comunidade, que foi atrás dos órgãos públicos, buscando essa complementação no projeto para o sucesso das ações”.
Segundo Álvaro, outro aprendizado trazido pelo projeto foi o fortalecimento da comunicação com os ribeirinhos e comunidades vizinhas à Terra Indígena, bem como com a sociedade de Lagoa da Confusão, “que teve a oportunidade de conhecer um pouco mais acerca da realidade dos povos indígenas, do trabalho que eles estão realizando de conservação dos recursos naturais, o qual é muito importante para o município, e que inclusive pode gerar recursos financeiros por meio do ICMS Ecológico. Os resultados dos subprojetos do DGM Brasil, como é o caso do Irom Cati, são fundamentais para a captação de novos recursos para a continuidade do trabalho”.
Postado por: Paula Lanza Barbosa
Editado por: Paula Lanza Barbosa