Publicado em 4 de Abril de 2018 às 17:43
O tempo nublado e chuvoso não desanimou os 30 técnicos agrícolas, agricultores familiares, pesquisadores e engenheiros agrônomos ansiosos para ver o resultado do plantio de milho crioulo realizado por eles no ano passado. Muito pelo contrário. Quem convive há anos com a seca conhece bem a felicidade de sentir a água tocando a terra e molhando as plantações. Foi só a chuva dar uma estiada, para o grupo descer até as roças da Área de Experimentação em Agroecologia (AEFA) mantida pelo Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM), a 40 km da cidade de Montes Claros.
Em um espaço de 1/4 hectare, os técnicos, extensionistas e engenheiros do CAA-NM, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) e Fundação Caio Martins (Fucam) realizaram a colheita do ensaio de 16 variedades de milho, sendo 15 locais e crioulas e uma selecionada de forma convencional (BR-106), implantadas em outubro de 2017. De lá para cá, a equipe da AEFA, liderada pelo técnico agrícola e coordenador da Área, Gilberto Pereira, e pelo técnico do CAA-NM Daniel Costa, ficou responsável pelo monitoramento do ensaio, no intuito de garantir que o milho chegasse ao ponto de colheita.
Este ensaio faz parte de uma rede de ensaios registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para indicação e registro de variedades para sistemas orgânicos e agroecológicos. “Nós acompanhamos e avaliamos o experimento desde a germinação, passando pelo período de floração e, apesar do estresse hídrico, da incidência de cupim e lagarta do cartucho, o resultado foi bastante satisfatório”, relatou o zootecnista Daniel Costa. “A partir dos resultados das avaliações realizadas durante todo o processo serão definidas quais das 16 variedades poderão ser comercializadas enquanto sementes crioulas, em concordância com as exigências do MAPA”, acrescentou.
Mas o resultado mais bem sucedido da atividade, segundo Daniel, foi o processo de interação entre os participantes que, cada um com suas peculiaridades, proporcionaram ricos momentos de debates e de criação de propostas de enfrentamento quanto à questão da produção de milho crioulo na região. Gilberto Pereira compartilha da mesma visão e é prova disso: “Quando eu fiz estágio aqui na AEFA, em 2009, à época como filho de agricultor, acompanhei e realizei a colheita de, pelo menos, dois ensaios. Depois de todos esses anos, e hoje como responsável por esta ação, percebo que o resultado positivo que tivemos aqui hoje é fruto de muitas trocas de experiências entre o conhecimento técnico e o tradicional”.
Multiplicação
Além do plantio do ensaio, o primeiro encontro, realizado em outubro de 2017, teve o intuito de sensibilizar o grupo e oferecer um panorama geral acerca da metodologia de introdução das sementes crioulas no cotidiano de trabalho dos técnicos, com a apresentação dos princípios da agroecologia e da agrobiodiversidade, demonstração de cultivares diversas, formas de se atuar em campo, adubação verde, corredores agroecológicos, produção de milho crioulo em sistema agroecológico, entre outros conteúdos. As sementes crioulas ou sementes da vida, de espécies típicas de regiões semiáridas, são mais resistentes a situações de estresse hídrico e não necessitam do uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos. Por isso, o objetivo central da atividade foi incentivar o cultivo dessas variedades.
“A gente espera, através desse aprendizado e sensibilização, que os técnicos venham a planejar o seu cotidiano de trabalho pautado pela agroecologia”, declarou Fernando Tinoco, coordenador estadual de agroecologia da Emater-MG. “Aqueles interessados, aqueles que mais se sensibilizaram, que gostaram dessa proposta, que nos demandem o envio de sementes crioulas para que possam estruturar os bancos de sementes nas comunidades, para que essas possam ter uma unidade, seja ela produtiva, demonstrativa, de observação e/ou educativa”, completou.
Alguns técnicos já estão há tempos inseridos no debate da agroecologia, seja por meio de capacitação técnica, seja pelo contato direto com o conhecimento tradicional e ancestral. É o caso do senhor Lorisvaldo, técnico agrícola da Fundação Caio Martins (Fucam), município de Juvenilha, na divisa dos estados de Minas Gerais e Bahia. “É a primeira vez que participo desse curso, achei muito produtivo. A Fundação Caio Martins está muito empenhada e ligada a esse trabalho da agroecologia. Lá em Juvenilha já estamos fundando um banco de sementes crioulas, no intuito de multiplicar sementes para atender os agricultores que de certa forma perderam boa parte das espécies crioulas”, contou. “Então, esse curso veio para enriquecer as práticas realizadas pela Fundação e com certeza vai surtir um bom efeito em parceria com a Emater da regional de lá, para ajudar a multiplicar e divulgar esse trabalho”, completou.
Controle biológico
Já no segundo módulo, realizado em março de 2018, além da colheita, pesagem e avaliação feita por cada técnico a respeito da cultivar mais adaptada à região, também se aprendeu sobre controle biológico, tema abordado por Walter Matrangolo, pesquisador em agroecologia da Empraba Milho e Sorgo. Paralelamente à colheita foi feita a análise dos grupos de insetos amigos naturais coletados na área de cultivo de milho da AEFA. Esses organismos se alimentam de outros que podem causar danos à plantação, mantendo o ecossistema equilibrado. Foram encontradas as espécies das ordens Diptera (mosca), Neuroptera (bicho lixeiro, bicho da fartura), Dermaptera (tesourinha), Hemiptera (percevejo), Hymenoptera (vespa, marimbondo) e Coleoptera (besouro).
“Tem sido uma experiência muito boa, pois cada vez que a política de agroecologia é incentivada em uma atividade como essa, a gente fica muito feliz de estar presente, de conviver com essa ideia na prática”, elogiou Walter Matrangolo. “Conheço o trabalho do CAA-NM há mais de 20 anos e considero que a agroecologia, antes de ser política pública, é uma prática das comunidades, já está de alguma forma inserida na dinâmica das comunidades. Então a minha atuação enquanto pesquisador é entender um pouco esse fluxo de conhecimento de dentro da comunidade para a academia e extensão, aprendendo na base para assim poder contribuir de alguma maneira”, acrescentou.
Inclusão produtiva
Do início ao fim, a atividade foi permeada pelo olhar da agrobiodiversidade, observando as variedades, o seu uso na culinária, no artesanato, nos sistemas de cultivo e formas místicas de trabalhar. “Em síntese, discutimos a produção de sementes agroecológicas, olhando o sistema como um todo, e as relações sociais como sendo fundamentais tanto na questão da segurança e da soberania alimentar, como na inclusão produtiva e econômica dos agricultores familiares”, resumiu Altair Toledo Machado, pesquisador da Embrapa Cerrados.
Assim, além da implantação do ensaio de 16 variedades, a fim de se verificar quais se adaptariam melhor às condições do Norte de Minas, especificamente da AEFA, depois transitando por propostas de melhoramento participativo, produção e uso de sementes crioulas, focou-se também nas possibilidades de utilização do milho crioulo e seus subprodutos - alimentação humana, alimentação animal, comercialização - dentro de um sistema de produção agroecológica.
Postado por: Paula Lanza Barbosa