Publicado em 5 de Março de 2018 às 09:11
Em 2018, o direito ao voto feminino completa 86 anos no Brasil. No entanto, todo o exercício do poder público e decisório ainda é marcado por gênero, raça e classe. Isso ficou ainda mais visível com o golpe presidencial de 2016 que tirou a primeira presidenta na história do país, provocou o avanço de ondas conservadoras, evidenciadas na formação de um ministério exclusivamente composto por homens e a exclusão de pastas e políticas que asseguravam os direitos das mulheres.
Isso é tão preocupante quanto observar uma câmara de deputados e senado em que a minoria das representantes é do gênero feminino. O que deveria ser representativo e proporcional a toda a população, ainda não é uma realidade.
Como forma de enfrentamento ao contexto exposto é que se pensou a realização da mesa redonda “Mulheres, Democracia e Poder”, no dia 27 de fevereiro, na Câmara Municipal, atividade que marcou a abertura da Semana da Mulher em Montes Claros, a qual leva o mesmo tema em 2018.
Acadêmicas, representantes de movimentos sociais e sindicais, bem como mulheres da política do município contribuíram no debate, a citar: Leninha (Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas – CAA/NM), Eliane Souto (Secretaria de Mulheres da Fetaemg), Luciene Rodrigues (Departamento de Economia da Unimontes), Graça da Casa do Motor e Maria Elena Lopes (vereadoras de Montes Claros).
Em suas falas, as mulheres defenderam que é preciso desconstruir a lógica reforçada diariamente na sociedade patriarcal quando se fazem crer que lugar de mulher não é na política, ou que “mulher não vota em mulher”. E que é preciso confiar que companheiras podem se representar nesses espaços de poder.
Luciene Rodrigues, professora do Departamento de Economia da Unimontes, apresentou um panorama geral sobre a participação feminina em cargos de poder no Brasil e no mundo, nos setores público e privado, confirmando o atraso em que o país se encontra em relação aos demais, no que se refere à equidade de participação de mulheres e homens nos espaços de representação e poder.
“O nível de participação das mulheres nos poderes legislativo, executivo, nas organizações, é um indicador muito importante sobre a questão da democracia, uma vez que quanto maior o número de postos ocupados por mulheres, mais igualitário é o país, o município, as organizações”, explicou a acadêmica. “A Associação Mundial dos Legislativos fez um estudo e mostrou que, dentre 193 países, o Brasil ocupa o 154º lugar, no que diz respeito às participações mais igualitárias, atrás apenas de alguns países árabes, no Oriente Médio e das ilhas polinésias. As nações que têm maior igualdade de gênero na política são Ruanda (1º), Bolívia (2º), Cuba (3º), Islândia (4º), Suécia (5º)”, detalhou.
Avanços e desafios no campo e na cidade
Apesar de o Brasil não apresentar índices animadores em relação à presença feminina em cargos de poder, entende-se que houve avanços. Uma alteração em 2009 da Lei Eleitoral (Lei 9.504/1997) – que prevê, no mínimo, 30% de candidatos do mesmo gênero do total de candidatos registrados por um partido ou coligação e, no máximo, 70% - garantiu que as vagas teriam que ser preenchidas dessa forma. O que não era cumprido anteriormente, uma vez que as legendas poderiam preencher essas cotas ou não, mas nunca preenchiam e sempre favoreceram os homens.
Entretanto, conforme lembrou Eliane Souto, da Coordenação Regional das Mulheres Trabalhadoras Rurais da Fetaemg - Polo Norte de Minas, mesmo com a obrigatoriedade de cotas para mulheres, “os partidos não oferecem estrutura e apoio igualitário entre candidatos homens e mulheres”.
A sindicalista também enfatizou que os desafios postos às mulheres do campo, nesses espaços, não são diferentes: “Quando se fala em democracia, a gente fala de quem decide, de quem participa desses espaços e de quem exerce esse poder. E no campo norte-mineiro, em que a gente tem acompanhado vários sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, percebemos, mais do que na cidade, populações machistas que têm dificultado muito a participação das mulheres”.
Revolução feminista na política
Além de se refletir sobre a necessidade da ocupação das mulheres no meio político, foi discutida também a importância de se pensar as estratégias de ocupação desses espaços. “Estamos imitando os homens ou representamos uma inovação, uma possibilidade de mudança real dessa estrutura de poder, seja no sindicato, na associação, no partido político, no executivo, no legislativo? É importante refletir como se dá a nossa atuação, se estamos repetindo práticas conservadoras e ultrapassadas ou se estamos tendo a ousadia de propor revoluções”, provocou Leninha, coordenadora de articulação política do CAA/NM.
A professora Luciene reforçou a reflexão trazida por Leninha: “O poder feminista é um poder com e não sobre, não é patriarcal, não é hierárquico, não é competitivo, e sim com solidariedade e sororidade”.
A vereadora Maria Elena Lopes também compartilha dessa visão, lembrando que, quando foi eleita pela primeira vez, no ano 2000, foi a primeira vez na história do município que duas mulheres ocuparam a Câmara Municipal como vereadoras e que nunca uma prefeita foi eleita na cidade: “A mulher tem que rever as estratégias sim e tem de se posicionar como mulher, não precisamos vestir terno e gravata para mostrar que somos capazes”.
Mulheres contra a violência
Em Montes Claros, de acordo com a Polícia Civil, as mulheres morreram mais no ano passado do que em 2016, no qual houve oito assassinatos. Em 2017 foram registradas 19 mortes violentas. Dessas, sete foram consideradas feminicídio, que é o crime enquadrado na lei Maria da Penha ou pelo fato da vítima ser mulher. Segundo a pesquisa Mapa da Violência 2015 (Cebela/Flacso), no Brasil, 13 mulheres são assassinadas a cada dia. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apenas em 2014 foram registrados mais de 47 mil casos de estupro no Brasil – um estupro a cada 11 minutos.
Esses são alguns dos dados que mostram o quanto as mulheres são vítimas de um sistema opressor e desigual. As estatísticas também mostram que a luta pela superação da violência é um desafio diário, seja essa violência por parte do estado, quando os direitos são extintos ou negligenciados, seja a violência psicológica e física que acontecem no âmbito doméstico e nos espaços públicos e privados.
Tendo esse contexto em vista, a Semana da Mulher em Montes Claros vai ocupar o centro e as áreas periféricas da cidade com uma programação variada, com rodas de conversa, mesas redondas, intervenção urbana, dança, entre outras atividades, ecoando vozes por todos os cantos, afirmando que as mulheres não compactuam com a violência diária, lembrando a união e a força em busca de uma sociedade de bem viver.
Programação completa:
06 de março
19h: Roda de conversa + Roda de dança circular
Local: Centro de Evangelização Caminho de Emaús, Major Prates
19h: Mesa Redonda "Mulheres: Saberes, Fazeres e Ações’’
Local: Museu Regional do Norte de Minas
07 e 08 de março
I Colóquio Regional do Observatório Empoderamento do Feminino
Local: Unimontes
08 de março
15h: Audiência com o Prefeito
Local: Prefeitura Municipal
18h: Noite iluminada
Local: Praça do Bairro Maracanã
10 de março
Marcha das Mulheres
08h: Concentração na Praça Dr. João Alves (Automóvel Clube)
Realização:
MULHERES DE MOVIMENTOS E ORGANIZAÇÕES DE MONTES CLAROS: Associação de Mulheres Amigas – Major Prates, Associação Vencer Juntos, Cáritas, Cerradania, Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, Comissão Pastoral da Terra, Conselho De Leigos, Conselho Municipal da Mulher, Conselho Municipal De Assistência Social, Conselho Regional de Serviço Social Seccional Montes Claros, Cooperativa Grande Sertão, Ecó, FMDE, Gabinete do Deputado Pe. João, Gabinete do Vereador Aldair Fagundes, Gabinete Vereador Daniel Dias, Grupo de Pesquisa e Estudos Gênero e Violência, Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas, Observatório Empoderamento Do Feminino/Unimontes, OLGA, Pastorais Sociais, Prefeitura Municipal de Montes Claros, Proderur, Sedese-Moc, Sind. Dos Jornalistas Profissionais De Minas Gerais, União Brasileira de Mulheres, União da Juventude Socialista, União Popular de Mulheres.
Postado por: Paula Lanza Barbosa
Editado por: Paula Lanza Barbosa