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Diversificar as estratégias de convivência com as mudanças climáticas

Publicado em 1 de Outubro de 2015 às 15:04

Diversificar as estratégias de convivência com as mudanças climáticas

Por: Helen Santa Rosa

Diversificar a produção e guardar de diferentes formas a água da chuva são estratégias fundamentais para conviver com as mudanças climáticas

As mudanças Climáticas e Ambientais têm alterado e provocado nos agricultores e agricultoras a promoção de novas estratégias de convivência com o Semiárido. Esse contexto de mudanças vem gerando sérios riscos, tanto hídricos – perda de água no solo -, quanto na manutenção de material genético – perigo de perda de sementes crioulas.

Diante desse contexto, organizações sociais e universidades vêm se organizando em rede e traçando estratégias para compreender e atuar nesse processo. Neste contexto de articulação, surge em 2012 a Rede de Agrobiodiversidade do Semiárido Mineiro, articulando organizações do Vale do Jequitinhonha e Norte de Minas, que entre 2012 e 2014 elaborou o Plano de Ações Estratégicas para conservação da Agrobiodiversidade. A Rede e a Articulação Semiárido Mineiro – ASA realizam em Araçuaí, Vale do Jequitinhonha, entre os dias 01 e 03 de outubro, o II Encontro de Agrobiodiversidade

Para compreender melhor estas estratégias, entrevistamos o Professor Doutor em Manejo de Solos e Agroecologia da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM, Claudenir Fávero. Conhecido popularmente como “Paraná”, membro da Rede Agrobio, ele coordena o projeto “Sistemas agroecológicos, inovações tecnológicas e resiliência às mudanças climáticas no semiárido de Minas Gerais”, uma ação definida dentro do Plano de Agrobiodiversidade.

Agri-Cultura Sertaneja: Pensando na formação do semiárido mineiro, quais são as suas principais características?

Paraná: No semiárido de Minas Gerais, a principal característica é a diversidade.  Por um lado ambiental, único local onde três biomas se encontram, mata atlântica, cerrado e caatinga, com feições de mata seca. Isso dá, por si só, uma diversidade e biodiversidade muito grande. E, por outro lado, a diversidade de culturas e modos de vida, que também é fruto da diversidade ambiental. Temos expressões de povos, comunidades e camponeses muito diversos, desde o pessoal que mora na Serra, que são os Apanhadores de Flores, até o povo que mora na vazante do rio São Francisco, que são os vazanteiros, passando pelos geraizeiros, catingueiros, ribeirinhos, também na Vale do Jequitinhonha, lembrando ainda os quilombolas e indígenas. A diversidade cultural associada à diversidade ambiental se expressa de uma forma muito peculiar no semiárido de Minas Gerais, e com isso as formas de vida, as formas de cultivo, a Agrobiodiversidade. Cada um com suas características peculiares e também a característica geral, que é a convivência com esse meio ambiente.

Agri-Cultura Sertaneja: Quais os principais efeitos das mudanças climáticas que têm sido percebidos pelos camponeses nesse contexto do semiárido mineiro?

Paraná: As mudanças que estão ocorrendo são de duas naturezas. Uma é a natureza global, que qualquer região do mundo está sentindo, em função do aumento do CO2, acaba que isso tem uma intensidade de consequências na região do semiárido. Os efeitos do aumento de temperatura em uma região que já é naturalmente mais quente e menos úmida. Então isso tem efeitos mais intensos nessa região.

Mas também, associados a isso, temos os efeitos locais. Provocados pelos grandes empreendimentos do agronegócio, do hidronegócio e da mineração, cada vez mais presentes na região. Os monocultivos de eucalipto, as barragens hidrelétricas, os empreendimentos minerários, as grandes extensões de pecuária, por exemplo, são empreendimentos que causam efeitos climáticos e ambientais localmente. Não só esses efeitos, mas também concentração fundiária, de riqueza, a exclusão e provocação de miséria. Mas, quando você associa essas duas naturezas, você percebe que isso se intensifica. E as comunidades que são mais vulneráveis, mais carentes, exatamente pela escassez de recursos que tem de capital, de renda. Sente mais esses efeitos.

Agri-Cultura Sertaneja: Alguma mudança climática e ambiental tem chamado mais a atenção?

Paraná: Os efeitos mais diretos que temos observado são com relação à mudança no ciclo hidrológico, de ter menos água disponível ao longo do ano, seja porque está chovendo mais concentradamente ou menos, ou porque está evapotranspirando mais rápido. Então você tem um efeito direto no ciclo hidrológico. Isso tem consequências diretas de perda de produção ou perda de plantio.

Temos exemplos de agricultores que plantaram milho, duas, três, quatro vezes na expectativa que conseguiria germinar e desenvolver. Mas, isso não aconteceu. Outro risco é a perda de material genético. Porque o agricultor tem certa quantidade, planta uma, duas e três vezes, e a chuva não vem, corre o risco de perder. Sem contar que algumas espécies que não são da região, da biodiversidade nativa, passam a não ter muitas condições de resistir a essas mudanças, passam a diminuir a população dessas espécies no sistema de produção dos agricultores. Uma espécie mais sensível, o feijão, por exemplo, se as mudanças se intensificam, o agricultor(a)  naturalmente passa a diminuir o feijão no seu sistema. Daqui a pouco ele não tem mais feijão e fica dependendo de comprar, o que pode acontecer se continuar dessa forma.  Principalmente se o agricultor já utiliza de materiais mais sensíveis no seu sistema, onde ele compra a semente no mercado, daqui a pouco ele perde essa espécie e fica totalmente dependente de comprar.

Agri-Cultura Sertaneja: Como os agricultores e agricultoras têm adaptado suas estratégias produtivas em relação a essas mudanças?

Paraná: Os agricultores e agricultoras que estão discutindo mais isso, com um olhar mais apurado, envolvidos com as organizações, como a ASA, a Rede de Agrobiodiversidade, envolvidos no debate, eles têm buscado diversas estratégias.

Do pondo de vista do sistema de produção: primeiro têm buscado diversificar mais o sistema. Justamente porque, se algumas espécies e variedades sucumbirem, eles terão outras. Esta é uma estratégia muito inteligente, muito sábia.

Outra estratégia é decorrente dos programas de captação da água da chuva. Os agricultores sabem que quanto mais mantiverem as águas no sistema, melhor ainda, mantendo as águas armazenadas nos solos ou nas cisternas. Outra estratégia é a de guardar os materiais genéticos. Estamos falando das Casas de Sementes, um ato muito forte de guardar, não só para plantar, mas para salvar material genético. Ato que é coletivo e individual.

Agri-Cultura Sertaneja: Como tem sido a colaboração das mulheres no desenvolvimento de novas práticas produtivas neste contexto de mudanças climáticas?

Paraná: A água que se bebe, que se faz alimento e que se usa dentro de casa são as mulheres que controlam. E as mulheres estão muito atentas ao reuso das águas. Antes, a água escorria do tanque livremente; agora, fazem caminhos para molhar a horta, o pé de uma fruta. Percebemos que a estratégia de uso e reuso das águas dentro de casa e no quintal é predominantemente pela mão feminina. Isso é uma estratégia muito importante. Em relação às sementes, as mulheres também são guardiãs, sobretudo a das hortas, que tem mais a mão das mulheres.

Agri-Cultura Sertaneja: Em relação ao projeto: “sistemas agroecológicos e resiliências as mudanças climáticas na região do semiárido de Minas Gerais”, qual o seu objetivo, como ele nasceu?

Paraná: Ele é consequência e fruto do Plano de Uso e Conservação da Agrobiodiversidade, que foi elaborado em 2012- 2014, no bojo das discussões das mudanças climáticas, da necessidade de monitorar, de fazer ações nesse sentido. Na época, havia uma chamada de projetos do Conselho Nacional de aberta, e tivemos a alegria de sermos selecionados. O objetivo central do projeto é desenvolver ações que possam nos fortalecer e capacitar para o enfrentamento de todas as mudanças que estão acontecendo na região. Em termos de ação e objetivos específicos, temos três linhas de ação. Primeira, a espinha dorsal do projeto: o monitoramento de Agroecossistemas de referência, indicados pelas organizações parceiras e espalhados por toda região do semiárido. Para isso, fizemos uma caracterização detalhada desses agroecossistemas, no primeiro ano do projeto. Na segunda fase, iniciamos o monitoramento. Associada a essa linha, temos outra de formação. Direcionada para agricultores e agricultoras e para técnicos. Para os agricultores(as), encontros de intercâmbio. Como foram 12 sistemas escolhidos, a ideia é que conheçam todos e que façam um monitoramento coletivo e que haja ao mesmo tempo formação, monitoramento e troca entre os agricultores.

E tem a estratégia com os técnicos e técnicas, que se dá através de curso de formação e do acompanhamento aos intercâmbios. Uma terceira linha é um olhar sobre as inovações tecnológicas, introduzidas nos sistemas, que estão sendo monitoradas.  Inovações introduzidas a partir do trabalho das organizações parceiras, dos intercâmbios, e também introduzidas a partir do saber e fazer dos próprios agricultores(as). A ideia é identificar essas inovações e, dentro das possibilidades, introduzir novas.

 

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