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Sempre Viva na Luta

Publicado em 27 de Julho de 2018 às 14:36

Sempre Viva na Luta

O 1º Festival dos Apanhadores e das Apanhadoras de Flores Sempre-Vivas, nos dias 21 e 22 de junho, trouxe para o coração de Diamantina (MG) a diversidade de culturas das comunidades de Raiz, Mata dos Crioulos, Macacos, Inhaí, São João da Chapada, Vargem do Inhaí e Braúnas, além de representantes dos povos geraizeiros, vazanteiros, veredeiros, caatingueiros e quilombolas da Articulação Rosalino Gomes de Povos e Comunidades Tradicionais. O antigo rancho dos tropeiros, hoje conhecido como Mercado Velho, e a Praça Barão do Guaicuí ficaram repletos de cores, aromas, sabores e saberes vindos de vários cantos.

“É uma alegria pra gente estar ocupando este espaço, que historicamente é um local da elite”, declarou Maria de Fátima Alves, a Tatinha, integrante da Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex). “E hoje estamos aqui, enquanto apanhadoras e apanhadores de flores sempre-vivas, apresentando o nosso modo de ser, de fazer e de viver a partir dos debates e dos produtos que a gente maneja no nosso dia a dia, e que estão expostos na feira ao lado. Não apenas as flores e o artesanato, como também os alimentos e sementes”, acrescentou.

Os apanhadores e as apanhadoras de sempre-vivas são guardiões e guardiãs tanto das sementes das flores como de outras plantas agrícolas tradicionais. Os grupos exercem um papel importante na conservação das espécies, garantindo a diversidade biológica do ecossistema. Os mais de 90 tipos de sempre-vivas já identificados foram preservados pelas comunidades, graças à técnica ancestral de fazer a coleta, à prática da agroecologia, à rotatividade no plantio das roças e ao uso de sementes crioulas, cultivadas ao longo de gerações.

Patrimônio agrícola mundial

O festival foi marcado pela entrega ao representante da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) no Brasil, Alan Bojanic, do dossiê sobre o plano de conservação do Sistema Agrícola Tradicional (SAT) mantido pelos apanhadores e apanhadoras de flores das comunidades, em sua maioria quilombolas. O documento foi elaborado pela Codecex e comitê técnico científico, em parceria com a HEKS, o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM), a Terra de Direitos, o Governo de Minas Gerais, prefeituras onde as comunidades estão localizadas e universidades.

“O dossiê tem uma década de trabalho e os pesquisadores e pesquisadoras envolvidos forneceram dados inéditos para compor e demonstrar como funciona esse riquíssimo patrimônio agrícola que agora o mundo vai poder reconhecer”, relatou Fernanda Monteiro, pesquisadora da Universidade de São Paulo e coordenadora do comitê técnico científico responsável pela elaboração do documento. “Na Serra do Espinhaço, essas comunidades constroem fertilidade do solo e colhem fartura e autonomia alimentar. Elas não só têm mãos hábeis para colher flores, elas são exímias agricultoras e criadoras. São detentoras de um conhecimento incrível. Dos 600 aos 1.400 metros de altitude, conhecem cada palmo dessa Serra e cada possibilidade de produção de alimento, de geração de renda e de vida”, completou.

Sendo a candidatura aceita, o SAT das apanhadoras e apanhadores de flores sempre-vivas será o primeiro do Brasil a receber a denominação Globally Important Agricultural Heritage Systems (GIAHS), traduzido para o português: Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial (SIPAM).

“Gostaria de agradecer o convite para vir a esta linda terra. Há muito tempo tinha o desejo de conhecer Diamantina, e não há melhor oportunidade que esta de vir aqui para algo tão relevante, que é o reconhecimento público dessa candidatura, que poderá tornar o sistema dos apanhadores de flores um dos 50 sistemas agrícolas mais importantes do mundo. Não é pouca coisa. Na América Latina tem apenas três lugares até o momento”, informou Alan Bojanic, representante da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) no Brasil, Alan Bojanic. “Todas são lavouras tradicionais que visam manter a biodiversidade, ao mesmo tempo em que geram renda, oportunidades de emprego, fortalecimento das famílias e da cultura local. O sistema tradicional da Serra do Espinhaço é um sistema que combina tudo isso, com destaque para o grande esforço de manutenção do ecossistema, dos mananciais de água, dos fluxos hidrológicos de uma região por onde passam rios tão importantes como o São Francisco. E, portanto, eu vejo que esse sistema tem todas as condições para obter o reconhecimento global”, concluiu.

Território, vida e liberdade

Essa conquista possibilitará a prática agrícola tradicional em áreas das unidades de conservação da região, criação de protocolos bioculturais e boas práticas de consumo da água, bem como o acesso dos apanhadores e apanhadoras de sempre-vivas aos programas de comercialização dos produtos, aperfeiçoamento das técnicas de manejo das espécies, promoção do uso das sementes crioulas (nativas) e raças de animais locais.

Isso implicará na descriminalização da prática nas áreas dos parques, o que no momento não é permitido. “A gente tem o sonho de ter liberdade de fazer o que fazemos há gerações. Eu me lembro de ir bebezinha com meus pais panhar as flores, a gente acostumou ali naquela chapada. Então pra nós é motivo de muita alegria participar desse festival que trouxe bastante gente. Isso é uma coisa muito importante pra nós, saber que devargazinho a gente está realizando esse sonho que a gente tem de titulação das nossas terras”, declarou Jovita Maria Gomes Corrêa, conhecida como Dona Jovita, nascida na comunidade quilombola Mata dos Crioulos, localizada no Distrito de Diamantina. “A gente não quer passar mais aflição, ser impedidos pelos órgãos públicos que estão tentando tirar a nossa identidade. Essa nunca será tirada e sim sempre reavivada! A Mata dos Crioulos é território dos quilombolas!”, declarou Jovita Maria Gomes Corrêa, conhecida como Dona Jovita, nascida na comunidade quilombola Mata dos Crioulos.

Além disso, sendo o sistema oficialmente reconhecido, também implicará na divisão de responsabilidades na preservação do SAT e da biodiversidade da parte mineira da Serra do Espinhaço entre os poderes públicos estadual, federal e municipais. As partes ainda firmam compromisso com políticas públicas nas áreas de transporte, educação, saúde, certificação das comunidades e povos tradicionais, regularização fundiária e titulação dos terrenos.

Programação variada

Além do lançamento do dossiê e da feira de saberes e sabores regionais, o 1º Festival dos Apanhadores e Apanhadoras de Flores Sempre-Vivas incluiu a entrega de certificado de reconhecimento das atividades dessas comunidades pelo Governo de Minas e uma mesa sobre ‘Território, vida e liberdade para as comunidades tradicionais da Serra’, a qual contou com a contribuição de representantes do Movimento Geraizeiro e da Articulação Rosalino Gomes de Povos e Comunidades Tradicionais. O evento também foi marcado pela exibição do documentário sobre o SAT das apanhadoras e apanhadores de flores sempre-vivas, produzido pelo cineasta Tiago Carvalho, e pelas apresentações de música regional. A Cooperativa Grande Sertão também marcou presença em Diamantina, com tudo o que há do sertão norte-mineiro.


Postado por: Paula Lanza Barbosa
Editado por: Paula Lanza Barbosa