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Com ameaças de expulsão do território, Quilombo da Lapinha resiste e luta pela titulação do território

Publicado em 5 de Agosto de 2019 às 16:48

Com ameaças de expulsão do território, Quilombo da Lapinha resiste e luta pela titulação do território

Por Indi Gouveia / Jornalista e Comunicadora Popular do Semiárido Mineiro 

Casas de adobe, alvenaria, tecnologias de captação de água de chuva, energia elétrica e outras políticas públicas já chegaram há um tempo no Acampamento Rio São Francisco, do Quilombo da Lapinha, comunidade localizada em Matias Cardoso, Norte de Minas Gerais. No entanto, o que as 57 famílias mais aguardam é a regularização do território secular que fica às margens do Velho Chico.

No local, crianças, jovens, casais, mulheres e homens constroem e reconstroem diariamente a história que começou com os seus antepassados no início do século XVIII: “Tudo que tem aqui foi construído pelas mãos nossa: barraco, as roças que nós temos é tudo a gente que faz, tudo na mão, na enxada, na foice e a coragem nossa que Deus deu para cuidar disso aqui. ”, conta João Batista Pinto, quilombola.

Além do Acampamento São Francisco fazem parte do Quilombo da Lapinha as comunidades de Várzea da Manga, Lapinha, Santa Efigênia e Ilha da Ressaca.

 Acampamento São Francisco da Comunidade Lapinha / Foto: Indi Gouveia

Segundo dados históricos, o processo de exploração latifundiária no Norte de Minas causou o encurralamento de diversas comunidades na região, fazendo-as migrarem para áreas menores e menos férteis. Foi nos anos de 1970 que os remanescentes quilombolas do Quilombo da Lapinha foram expulsos das suas terras e em 2005, ainda atingidos por esses conflitos agrários, a comunidade se organizou para lutar pelo território ancestral, retomando a Fazenda Casa Grande, pertencente, na época, a empresa Fazendas Reunidas do Vale do São Francisco - FAREVASF.

Segundo Marco Antônio de Souza, advogado da comunidade, a área é de interesse da união e deveria ter suas questões resolvidas por órgão federais, já que constitucionalmente está em perímetro ribeirinho. O advogado conta que a permanência da comunidade, em 2005, se deu a partir de um acordo com a empresa para dar tempo ao INCRA realizar os procedimentos de delimitação e titularização do território. Mas em 2010, o Instituto Estadual de Florestas – IEF, adquiriu a Fazenda com o intuito de unir a área ao Parque Estadual Lagoa do Cajueiro – unidade de proteção integral.

“O Parque não foi concluído e ficou o restante de uma certa quantidade de pagamento do Estado para a FAREVASF. Em decorrência desse não pagamento a empresa também está forçando a retirada do povo. Ocorre que recentemente a gente conseguiu uma ordem de suspensão dessa reintegração de posse e a comunidade ganha um folego, que a gente imagina aí de uns 60 dias ou mais. Nesse tempo estamos sentando diretamente com o IEF, que trouxe uma fala que é possível a gente chegar em um acordo”, explica o advogado Marco Antônio. 

Esta não foi a primeira ordem de despejo que a comunidade recebeu.  Em 2017 houve essa mesma movimentação para que as famílias fossem expulsas do local que faz parte do território tradicional quilombola. Para as famílias é angustiante não saber o que acontecerá nos próximos meses, mesmo sabendo que em 2018, o então governador Fernando Pimentel, declarou a área como de interesse social. 

 

"A gente ganhou mais tempo sem que medidas drásticas tenham que ser tomadas"

A frase acima foi dita por Cláudio Vieira Castro, da Diretoria de Unidades de Conservação do IEF , em uma reunião no Quilombo da Lapinha no dia 2 de agosto, quatro dias depois que a ordem de despejo foi suspensa temporariamente. O representante do Instituto foi até a comunidade para ouvir as famílias, depois de saber que existia a decisão judicial.

“Ninguém conseguiu me explicar ainda, juridicamente, como essa ordem foi possível, como isso aconteceu, mas aconteceu, transitou em julgado, passou pelas instâncias da justiça e o que a gente tem hoje de realidade é uma ordem de retirada. Só que a posição do IEF, a partir dessa nova gestão que chega, é de que não é assim que se resolve esse tipo de situação. ”, disse o diretor à comunidade.

Reunião do IEF com a comunidade do Quilombo da Lapinha / Foto: Indi Gouveia

Durante a reunião, o IEF mostrou que está aberto a diálogo e segundo o atual diretor de unidades de conservação, é pouco provável que se tenha um posicionamento como o que teve na gestão passada: “O que a gente está insistindo é que lá na Mesa de Diálogo, esses outros [áreas sociais do Governo de Estado] também estejam sentados à mesa, para a gente poder conversar e encontrar uma solução, porque não dá para você enxergar esse problema só com um olho, você tem que tirar a venda e enxergar que a questão é maior.”, defendeu Cláudio, que acredita que tem de haver um equilíbrio entre a conservação ambiental e o direito dos Povos e Comunidades Tradicionais, que são assegurados pela Constituição Federal.

PRÓXIMOS PASSOS

No dia 7 de agosto, quarta-feira, será realizada em Belo Horizonte, uma Mesa de Dialogo para encaminhamentos com as questões que envolvem a comunidade. Para as famílias o momento é turbulento por não saberem o que vai o acontecer, mas a fé e as crenças herdadas dos seus antepassados os fazem acreditar na permanência no território e que poderão usufruir da área além dos 22 hectares e que pelo Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), publicado pelo INCRA, têm direito.

“Deus sabe o que faz, ele vai pôr a mão e vai dar sabedoria para os que estão lá nos defendendo, para que possam falar as palavras certas, as coisas certas, nas horas certas, porque tudo é na hora de Deus, nada é no nosso tempo. Eu tenho certeza que a vontade Dele é de nos ver pisando nesse chão, nessa terra com nossos filhos fazendo a nossa tradição. ”, conta Damiana, jovem quilombola mãe de quatro filhos.

LAPINHA LUTA E RESISTE

A comunidade, que sempre cuidou e cuida do território de maneira sustentável, aguardam que o Governo do Estado de Minas Gerais, reverta a decisão definitivamente e cumpra o direito constitucional de acesso à terra, que em seu artigo 68 do ato das disposições constitucionais transitórias, reconhece o direito destas comunidades à titulação de seus territórios tradicionais, cabendo ao Estado apenas o dever de garantir a fruição desse direito através do registro em cartório da posse coletiva do mesmo.

Lapinha vem recebendo historicamente apoio de organizações e movimentos sociais, como o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, Comissão Pastoral da Terra Articulação Rosalino Gomes, entre outras.

“A questão da Lapinha, tem a ver com a história de Matias Cardoso. Esse quilombo pode ser considerado um patrimônio histórico, está bem perto da cidade, é um pessoal nativo, ali tem mais de 300 anos que o povo está ali, de geração em geração. É o maior desrespeito na vida um quilombo daquele ser despejado, o Estado tem que pensar duas vezes antes de derrubar toda aquela estrutura. “, afirma Braulino Caetano dos Santos, geraizeiro, membro da Articulação Rosalino e que faz parte da Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais.

Neste contexto, quem também está apoiando a comunidade é o poder público local, que tem se afirmado como parceiro da comunidade na defesa do território. “A prefeitura está pronta para apoiar a comunidade, agora de imediato com essa medida suspensiva, mas também apoia a permanência aqui e também nos 1.400 hectares até que se resolva esse problema todo com o território maior. A gente sabe que as pessoas precisam produzir, precisam trabalhar, nós temos que dá essa dignidade humanas para eles.”, afirmou Edmarcio Moura Leal, prefeito de Matias Cardoso.

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Postado por: Indinayara Francielle Batista Gouveia
Editado por: Indinayara Francielle Batista Gouveia