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CAA: 30 anos de legados e desafios

Publicado em 25 de Junho de 2015 às 15:42

CAA: 30 anos de legados e desafios

Agroecologia e Resistência nos Sertões de Minas Gerais

 

Em seus 30 anos de história, o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas foi se moldando a partir das conjunturas, agriculturas e alianças dos povos e comunidades tradicionais do Norte de Minas e do Cerrado Brasileiro.E foram muitas as conquistas e legados! É hora de reinventar e pensar o curso da história e da missão.

O Golpe Militar de 1964 deixou marcas profundas na vida dos povos do campo brasileiro e, em particular, no Norte de Minas Gerais e perduram até hoje. O pacote tecnológico imposto pela chamada Revolução Verde (sementes híbridas, insumos químicos, mecanização agrícola) foi viabilizado pelos programas de assistência técnica e créditos subsidiados. A estes, também foi incorporada uma ampla reforma institucional nas estruturas de Estado – que vinha como resposta às Reformas de Base propostas pelo Governo João Goulart (indesejadas por  trazerem em si, inclusive, a Reforma Agrária).

A Revolução Verde imposta no campo brasileiro desestruturou os modos de produção tradicionais e as economias camponesas que subsistiam à margem das políticas de governo desde o período colonial. A chegada da Sudene e da Ruralminas foi um momento onde a violenta expropriação territorial os encurralaram em estreitas franjas de terra ao longo dos cursos d´água ou, então, obrigaram famílias inteiras a abandonarem suas terras para dar lugar a extensas monoculturas de eucalipto, algodão e fruticultura irrigada. Muitos Saluzinhos,Martinhos Fagundes, Eloys, Marias e Joãos foram perseguidos e mortos neste recanto do sertão brasileiro, por defenderem seus direitos.

A história do CAA-NM inicia se neste contexto. Os agricultores e agricultoras sentiram fortemente o impacto do modelo de desenvolvimento imposto pelo Estado naquela época. “A gente via que não tinha uma assistência técnicaque viesse a ajudar o agricultor a remediar, mas só vinham com a monoculturado algodão. Nem mesmo tinha suporte para conservar os solos, que estavam degradados demais com a aplicação de inseticidas. A gente achou interessante criar uma organização que viesse a atender a necessidade (da agricultura) familiar, uma agricultura sustentável” comenta Oscarino Aguiar Cordeiro, um dos sócios fundadores do CAA-NM e diretor do Sindicato dos Trabalhadores

Rurais de Porteirinha. No contexto de efervescência das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), com o apoio da Casa de Pastoral Comunitária/Prodetur de Montes Claros, foi criado em 1985 o “Centro de Tecnologias Alternativas de Montes Claros”, com o objetivo de ser um “centro de experimentação e de articulação de lutas e tecnologias alternativas, apropriadas à pequena produção regional”, relembra Rosely Augusto, na época técnica da Comissão Pastoral da Terra. Mais tarde, em 1989, quando oficializado, recebe o nome de Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA/NM).

Nestes 30 anos de história, o CAA-NM viveu períodos que marcaram mudanças metodológicas e de abrangência da sua ação. O começo se dá a partir de uma pesquisa sobre a agricultura familiar, para compreender o modo de vida das comunidades, elaborar uma metodologia de ação e ao mesmo tempo, compreender e criticar o modelo de desenvolvimento imposto pelo Estado. “O CAA começou com as famílias, nas propriedades; depois passou a atuar nas comunidades, para o desenvolvimento local, para o Cerrado e os territórios e agora estamos numa articulação internacional. Nós estamos vivendo o mesmo desafio de lutar contra esse modelo capitalista que está acabando com os nossos territórios e com a natureza. Precisamos juntar as forças contra isso”, enfatiza Braulino Caetano dos Santos, diretor geral do CAA/NM.

Juntar das Forças

 

Essa preocupação de “juntar as forças” expressa na fala de Braulino reflete uma característica marcante na trajetória do CAA. Este juntar as forças esteve presente na constituição dos primeiros passos do que viria a ser o CAA na região. Esteve presente também na Assembleia de Constituição do CAA em 1989, na sua diretoria e no corpo dos associados, com o esforço de contemplar as distintas figurações presentes nos movimentos sociais de então. Além disso, o CAA já nasceu fazendo parte da Rede PTA, movimento que foi precursor da constituição da Articulação Nacional de Agroecologia - ANA. Em seguida, teve um papel significativo na constituição da Rede de Intercâmbio de Sementes no qual o técnico Honório foi um de seus principais animadores. Esteve presente também na ECO 92, no Rio de Janeiro, animando a partir de lá a formação da Rede Cerrado que até hoje está presente na cena nacional na defesa dos cerrados e de seus povos.

Em 1994, o CAA-NM participou da constituição e animação do Fórum Regional de desenvolvimento Sustentável que se apresentou como sujeito político denunciando os desmandos da política desenvolvimentista e das elites agrárias nortemineiras,criticando o modelo de desenvolvimento imposto na região e apresentando um conjunto de propostas visando a construção de outro modelo baseado na agroecologia e na agricultura familiar. O Fórum Regional foi um dos espaços que animou e vem animando até hoje a Articulação do Semiárido – ASA. Neste juntar forças está expresso também na preocupação de abrir brechas e construir espaços de fala e de representação política da diversidade de expressões da agricultura familiar regional, processo que nunca esteve sozinho.

É assim, permeados pelas redes sociais, pelas redes sociotécnicas, onde pastorais (CPT, CEBs, CIMI), ONGs, pesquisadores, professores, estudantes de militantes se unem fortalecendo a luta dos povos do lugar. É assim que os sindicatos dos trabalhadores rurais passam a colocar na linha de frente a agroecologia e a convivência com o semiárido; é assim que nos sertões de Minas Gerais que a Cooperativa Agroextrativista Grande Sertão é constituída em 2003, apresentando-se à sociedade a importância e o valor dos agroextrativistas dos cerrados, veredas, caatingas e matas secas; é assim que nas Altas Serras do Espinhaço, surge a CODECEX, empreendendo lutas pelos direitos das comunidades de Apanhadores de Flores; é assim que nos planaltos e serras onde dominam os cerrados, surge o Movimento Geraizeiro, colocando como linha de frente a luta pelos direitos territoriais, que se expressam também nas imensas planícies e vazantes sanfranciscas com a luta dos vazanteiros e quilombolas, expressos no “Vazanteiros em Movimento”.

Este aprendizado, estas novas perspectivas de lutas que colocam hoje em cheque não apenas o modelo de desenvolvimento imposto pelas seguidas revoluções tecnológicas pós-revolução verde, mas, principalmente uma nova perspectiva societária – a sociedade do bem viver, podem ser creditados à persistência do Povo Xakriabá, cuja principal liderança indígena tombada na luta cedeu seu nome à Articulação Rosalino de Povos e Comunidades Tradicionais.

 

Em seus 30 anos de caminhada, o CAA vem apoiando diversos processos de inovação metodológica e de ação política, com resultados bastante significativos no campo do acesso a direitos e da agroecologia

 

Agroecologia e Redes Sociotécnicas

Foi em um projeto juntamente com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porteirinha que o CAA-NM percebeu que, na promoção da agroecologia, sua repercussão em escala ampliada só faz sentido se fortalecer os sujeitos locais para uma ação constante, consequente e significativa, pois são eles que estão inseridos no contexto local de forma efetiva, que vivem no lugar. Foi a partir da contribuição de Eric Sabourin, que percebemos a importância de compreender as redes de interações que as famílias de agricultores e comunidades organizam e estruturam suas estratégias de reprodução social, entre estas, os circuitos econômicos que eles vão desenvolvendo, na maioria das vezes na invisibilidade. A partir desta compreensão, foram organizadas as ações dos sindicatos, associações, instituições de ensino e pesquisa, pastorais e demais parceiros, com o objetivo de somar esforços que resultam no desenvolvimento tecnológico e aprimoramento da sustentabilidade dos agroecossistemas, e no fortalecimento das economias locais. Ações onde as decisões acontecem com a participação efetiva das comunidades e de suas organizações.

Neste mesmo sentido, diversas redes tem sido articuladas entorno das lutas das comunidades quilombolas, geraizeiras, vazanteiras, indígenas, veredeiras e apanhadores de flores sempre-vivas. Neste processo, evidencia-se a ação de agricultor para agricultor, onde camponeses e camponesas atuam como mestres que acionam saberes construídos por várias gerações, atualizados a partir da cosmovisão campesina.

Agroextrativismo

A diversidade de ambientes e nichos ecológicos proporcionados pelo relevo diferenciado, solos, vegetação, rede hidrográfica, condicionadas pela irregularidade climática associados com a formação socioeconômica do sertão norte-mineiro, levou ao desenvolvimento, nestas localidades, de agroecossistemas peculiares. Contribuiu, também, o fato da região estar localizada em uma ampla faixa de transição para o semiárido, incorporando tradições da cultura negra e indígena, presentes em suas estratégias de reprodução social. É neste contexto que o agroextrativismo se desenvolve, evidenciando agroecossistemas que apresentam uma lógica produtiva baseada na produção diversificada, aproveitamento das potencialidades dos múltiplos hábitats, entre eles a articulação da produção agropecuária com a coleta extrativista, que tem como base um conhecimento muito próprio das unidades da paisagem, da biodiversidade agrícola, da flora nativa e animal. A partir desta compreensão, o CAA e seus parceiros passam a atuar no sentido de compreender estas lógicas, as racionalidades com que organizam seus sistemas produtivos e suas inserções nos mercados.

Autodeclaração identitária e autodemarcação de territórios

Eminteração com parceiros e comunidades tradicionais, inspirado na ação do povo indígena Tupiniquim do Espírito Santo, a Rede Sociotécnica do Alto Rio Pardo tem apoiado os processos de autodemarcação de territórios. O primeiro passo é a organização local, onde a comunidade reafirma sua identidade tradicional. A partir daí, são realizados estudos e mobilizações que contribuem para a autodeclaração como comunidade tradicional. Uma rede de pesquisadores está em constante interação com as comunidades, respondendo a estas demandas de pesquisas e estudos. A autodemarcação é o processo de identificação dos marcos geográficos e culturais, importante na reafirmação da luta das comunidades por seu direito territorial e nos processos de retomada que vem se espalhando pelos sertões de Minas Gerais.

Novas modalidades para a Reforma Agrária:

Foi a partir da luta dos posseiros da Tapera que Mazzan, em 1987, nos alertou para o óbvio: se o povo que lá vive, sempre viveu de lá, porque o INCRA afirma que a terra é imprópria para reforma agrária? Desde então,o CAA tem sido convocado na luta das comunidades para convencer o INCRA de que a reforma agrária não pode ficar resumida apenas na luta dos sem terra, que as terras de cerrados, de veredas, de matas, catingas e vazantes devem ter destinação incorporando as lógicas tradicionais e uso e ocupação das terras. A partir deste entendimento que foi criado o Assentamento Tapera e, em seguida, o Assentamento Americana. Em 2013, foi criado o Projeto de Assentamento Agroextrativista Veredas Vivas, na comunidade de Vereda Funda, município de Rio Pardo de Minas. Através de muita luta, as comunidade geraizeiras conseguiram, em 2014, o decreto de criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Nascentes Geraizeiras, na região do Alto Rio Pardo. É a partir desta compreensão que dezenas de comunidades hoje lutam pelo reconhecimento de seus territórios tradicionais expropriados por grandes fazendeiros, por reflorestadoras ou pelos órgãos ambientais como o IEF e o ICMBio. Esta questão se torna ainda mais fundamental neste momento em que a Presidenta Dilma ordena ao Ministério do Desenvolvimento Agrário a elaboração de um novo Plano de Reforma Agrária.

Agroecologia moldada pelo olhar das crianças e jovens

A necessidade de dialogar com as crianças e pensar o futuro da agricultura familiar e das comunidades tradicionais motivou o CAANM a elaborar o Projeto Enlaçando Experiências em 2006. A iniciativa é realizada com o apoio da ActionAid, em parceria com Sindicatos de trabalhadores/trabalhadoras rurais, Associações, comunidades, famílias, educadores, jovens, adolescentes e crianças. Num ambiente lúdico e recreativo, crianças e adolescentes são convidados a pensar alternativas juntamente com sua família, a partir da agroecologia, da economia solidária e da auto afirmação de sua identidade. Este projeto, que já envolveu mais de 2.000 crianças e adolescentes, vem desenvolvendo uma metodologia inovadora no trabalho com agroecologia e direitos da juventude.

 

Os desafios da caminhada

 

Apesar dos resultados deste legado coletivo que o CAA compartilha com as diversas organizações e colaboradores, os desafios parecem aumentar. Com o fortalecimento da produção agroecológica e a retomada dos territórios tradicionais surgem outras dificuldades. “Fazer a gestão do território, recuperar o passivo ambiental e implementar um novo projeto demanda um esforço de articulação, além de recursos financeiros e técnicos. Também é necessário uma formação contínua, para que a comunidade continue envolvida nas ações e o projeto não se perca”, relata Elmy Soares, presidente do STR Rio Pardo de Minas e liderança da comunidade de Vereda Funda.

Mesmo com todo o debate da qualidade e saúde dos alimentos agroecológicos, colocar a produção nos mercados é outro desafio: “Neste contexto das mudanças climáticas com as chuvas escassas e o avanço do agronegócio no Cerrado, manter a comercialização de produtos nativos tem sido um desafio. Também o diálogo com os gestores na comercialização do PNAE e do PAA tem oscilado, e impactado diretamente no planejamento da comercialização”, afirma Francisco Wagner, diretor financeiro da Cooperativa Grande Sertão.

A sucessão rural e o protagonismo econômico e político das mulheres têm sido colocados como desafios permanentes. “Precisamos construir alternativas adequadas aos sonhos e desejos das juventudes e das mulheres, garantindo o protagonismo delas em suas ações. Tirar da invisibilidade a importante contribuição que dão para o presente e o futuro da agricultura camponesa”,conclui Leninha Alves, Coordenadora de Articulação do CAA.

Carlos Dayrell, que acompanha o CAA-NM desde o seu germe e, atualmente, colabora na organização como pesquisador, chama atenção para o fato de que vivemos uma grave crise civilizatória: “A crise é global. O impacto das mudanças climáticas tem colocado em risco a soberania alimentar dos povos. Se antes lutávamos contra o modelo de desenvolvimento, hoje apenas já não basta. Precisamos de uma nova ótica a moldar as relações sociais e econômicas. E, por incrível que possa parecer, a solução está bem perto de nós, no modo de vida das comunidades tradicionais. São elas que nos ensinam o “bem viver”, princípios importantes de convivência com o mundo e com as pessoas”. Ele relembra que historicamente o CAA-NM passou por crises que tiveram o importante papel de reorientar a instituição. “ Hoje a natureza do CAA é ser ponte. O tempo é de se reinventar e renovar a missão de compartilhar desafios e conquistas, sendo solidário a tantas lutas e tantos povos”, finaliza Carlos Dayrell.

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Postado por: Helen Dayane Rodrigues Santa Rosa
Editado por: Helen Dayane Rodrigues Santa Rosa