Publicado em 11 de Agosto de 2015 às 14:44
Noticias sobre crise hídrica, escassez de água e problemas de abastecimento são manchetes constantes no norte de Minas. Secularmente o governo fala em “combater a seca”. Contudo, nos últimos anos, diversos investimentos minerários vêm sendo acordados entre empresas e Estado. Uma marca desses empreendimentos é o uso excessivo da água. Para compreender um pouco mais sobre os processos minerários envolvendo recursos hídricos, conversamos com o analista ambiental do IBAMA, Rafael Chaves, representante do IBAMA no COPAM NM – Conselho Estadual de Política Ambiental do Norte de Minas. Em entrevista, falou sobre contaminação da água, disponibilidade hídrica e o papel do IBAMA. Confiram a entrevista
CAA/NM: Rafael, em relação a Carpathian Gold, como foi o processo de licenciamento?
Rafael Chaves: Primeiro houve um protocolo de intenções com o estado de Minas Gerais, que fez um acordo com a empresa, antes mesmo da apresentação do estudo de impacto ambiental na comunidade de Riacho dos Machados. Teve uma audiência pública lá no dia 22/12/2009. Foi antes da apresentação do EIA e RIMA [Estudo e Relatório de Impacto Ambiental] para a comunidade e a sociedade. E antes mesmo do julgamento da licença prévia pelo COPAM. Foi como se o Estado de Minas Gerais tivesse acertado com o empreendimento, que não tinha sido nem licenciado ainda. Isso provocou uma aceleração do processo de licenciamento atropelando vários interessados.
CAA/NM: Como que isso acelerou o processo?
Rafael Chaves: O licenciamento no estado funciona assim: tem um órgão executivo da Semad – Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável que é a SUPRAM, quem faz a análise técnica do processo. A Supram deu parecer favorável e a Semad emitiu essa licença que normalmente deveria ser aprovada pelo COPAM. O secretário do estado emitiu a licença prévia Ad referendum, ou seja, ela teria que passar depois para ser referendada pelo conselho, mas como já estava com a licença na mão do empreendedor, o conselho depois referendou mediante algumas condições. Acelera nesse sentido, porque ao invés de passar pelo rito normal do licenciamento, o estado emite a licença.
CAA/NM: O Copam poderia ter interferido nesse processo?
Rafael Chaves: O Copam poderia ter negado, mas o que ele fez foi emitir novas condicionantes. É difícil para o Conselho negar algo que já está autorizado. É difícil reverter o processo de licenciamento, porque depois de licenciada, a empresa já adota procedimentos de aquisição e ocupação de áreas, de negociação de terras, etc. Se você proíbe e volta, além de causar um prejuízo muito grande para a empresa, você vai causar prejuízo para a comunidade que estaria sendo “beneficiada” por esse empreendimento. Tem também o fato de que no COPAM existem entidades que são favoráveis a esse tipo de empreendimento. O peso das pessoas que compõe o Copam é realmente de homologar e compartilhar com o governo do estado.
CAA/NM: Em relação à água, muito se fala em riscos de contaminação. Esse risco existe?
Rafael Chaves: É importante dizer que é uma contaminação natural. São compostos químicos que estão presentes na rocha de origem, e são expostos. Para extrair o ouro do minério, você tem que trabalhar com produtos químicos, o Cianeto, por exemplo, que depois vai para uma barragem de contenção. Então o risco de contaminação para as pessoas aumenta com a mineração, mas se alguém fosse lá abrir um poço tubular, também teria esse risco. Não é a mineração que contamina, ela aumenta o risco. Com a exceção do Cianeto, os outros elementos químicos dentro do processo são naturais.
Qualquer atividade desse modelo traz o risco de contaminação, não quer dizer que aquela água é sempre contaminada, e depende muito do período de captação, vazão do poço, do local de perfuração e da quantidade de água existente no local, em razão da diluição dos compostos químicos. Em síntese, a atividade mineraria é de alto risco porque ela vai pegar água de camadas subterrâneas que não estavam sendo usadas diretamente, e trazer essa água para a superfície trazendo um risco de contaminação para as pessoas que vão ter contato com aquela água ali. A medida que a atividade mineraria aumenta o consumo de água, você limita o uso da água no entorno, diminuindo a oferta de água para a comunidade, já que estaria sendo usada para molhamento de vias e o uso industrial em geral. A água na região já é pouca, se você aumenta o consumo, diminui cada vez mais a disponibilidade de água para as pessoas.
CAA/NM: Quem assumiu esse risco?
Rafael Chaves: O Estado assumiu esse risco quando fez o protocolo de intenções e a empresa também, apesar de ser responsabilidade dela o abastecimento de água das pessoas em caso de desabastecimento das comunidades do entorno. Eu entendo que nada vale o risco da vida humana e, se há riscos, deveriam ser considerados.
CAA/NM: A mineração no Norte de Minas é viável, quando tratamos do assunto agua?
Rafael Chaves: Eu entendo que a Mineração no Norte de Minas deve ser avaliada com a componente água sendo muito bem avaliada. Este empreendimento da Carpathian Gold, por exemplo, contestamos bastante a mudança da concepção do projeto depois da licença prévia. Porque na licença prévia você atesta a viabilidade ambiental e aprova o local do empreendimento. A partir daí, espera-se que todos os estudos ambientais estejam elaborados de forma a cercar, conter os riscos ambientais desse empreendimento e isso não foi feito. O que aconteceu foi que eles mudaram a concepção do projeto depois de licenciado, que é a questão da disponibilidade hídrica. O projeto inicial era uma construção de uma barragem para abastecimento do projeto industrial. Simplesmente mudaram a concepção do projeto. Fizeram isso porque a rocha do local onde eles iam fazer a barragem não era favorável para reter água e os rios da região também não são suficientes para abastecer a barragem, então eles resolveram fazer poços tubulares nas propriedades do entorno, onde os proprietários cederam, mediante pagamento de determinados valores, o espaço para o empreendimento abrir os poços e utilizar a água deles. É uma venda indireta, não é direta porque quem pode vender água são empresas licenciadas pelo governo, ou seja, as concessionárias públicas de abastecimento.
CAA/NM: Em termos hídricos a mineração de Riacho dos Machados e viável?:
Rafael Chaves: Eu entendo que a mineração não seja viável no caso de Riacho dos Machado, porque além da água subterrânea ser contaminada naturalmente, existe uma concorrência com as comunidades do entorno, devido a pouca água que existe na região. No caso da SAM, em Grão Mogol, também existe o problema da água. A outorga da SAM é 14% do volume outorgável em Irapé. Não é um valor significativo dentro do valor total, mas se for analisar o volume real é alto em relação a outros empreendimentos que poderiam usar essa água, equivale ao consumo de duas cidades de Montes Claros. O questionamento levantado é se uma única empresa pode consumir o dobro da quantidade de água de uma cidade de 350 mil pessoas em uma região semiárida onde pessoas sofrem por falta de água. É necessário que se busque alternativas para o mineroduto, pois é um absurdo você levar água do semiárido para o litoral.
CAA/NM: Porque esses empreendimentos usam tanta agua?
Rafael Chaves: A razão de consumir tanta água é que o minério nosso é de baixo teor, então é preciso fazer uma concentração muito grande e esse procedimento requer uma alta estrutura industrial, sendo que 1/3 da água é usada para transportar o minério e o restante para o processo de beneficiamento. A opção pelo mineroduto é econômica, é mais barata para o empreendedor, desde que tenha água disponível.
Essa questão da disponibilidade hídrica precisa ser colocada como agente de decisão dos processos de licenciamento, como o motivo maior de decisão. Não pode ser uma decisão assim: tem minério de ferro em determinado local, a gente vai gastar tanto, é viável, vamos fazer. Os problemas tem que ser previstos e contornados a tempo, depois das avaliações e antes da implantação dos empreendimentos. O estudo de impacto ambiental prevê isso, mas precisa ser feito de forma mais detalhada, levando-se em conta a vida das pessoas, com respeito às comunidades que vivem nos locais e que, na minha opinião, tem direito prioritário sobre o uso do território. Não estou contra o desenvolvimento e a mineração, mas que isso seja feito com respeito às pessoas que moram na região visando o desenvolvimento regional e não de determinada empresa. Outro problema da Carpathian é construir uma barragem para contenção de produtos tóxicos e depois de um determinado tempo (8 a 10 anos) deixar de operar. Quem garante que essa estrutura da barragem será devidamente manejada ao longo do tempo em um lugar em que a empresa não opera mais? É muito mais viável manter as coisas funcionando bem quando o empreendimento está ativado do que quando está desativado.
Postado por: Indinayara Francielle Batista Gouveia
Editado por: Indinayara Francielle Batista Gouveia