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Alianças no Sertão:  semeando condições dignas para a vida no campo e em comunidade

Publicado em 24 de Maio de 2019 às 16:14

Alianças no Sertão: semeando condições dignas para a vida no campo e em comunidade

Por Rejane Bonifácio, coordenadora do Projeto Alianças no Sertão

 

Há que se cuidar do broto para que a vida nos dê flor e fruto - Milton Nascimento

Em um mundo cada vez mais ágil e competitivo zelar pelo tempo que cada etapa exige para o seu pleno desenvolvimento e propor ações colaborativas são um desafio. Bebendo na sabedoria que brota dos mais de 30 anos de luta e resistência junto aos povos e comunidades tradicionais, o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, primeiro com o projeto Enlaçando Experiências e o Programa de Formação de Jovens, a organização volta mais uma vez o seu olhar para a infância nesse contexto desafiador.  Impulsionada pela garantia de direitos, para além das ações agroecológicas voltadas para a terra arada pelo agricultor e agricultora, O CAA-NM coloca-se sensível a motivação de muitos para o duro trabalho que envolve a vida no campo: criar condições para alimentar e educar seus filhos e filhas.

Assim, fruto de uma parceria com a Kindernothilfe-KNH, o projeto Alianças no Sertão tem como objetivo contribuir para que crianças e adolescentes das comunidades rurais se desenvolvam integralmente e se fortaleçam enquanto sujeito de direitos, com o apoio principalmente de seus pais, sendo capazes de construírem alternativas futuras de vida que rompam com a exclusão social e o contexto de violência. Para isso, desenvolvemos atividades integradas em três eixos, sendo um deles destinado ao trabalho direto com as crianças e adolescentes.

Com o intuito de promover o desenvolvimento sociocultural, é oferecido no projeto diversas atividades que propiciam o aprendizado de forma lúdica e interativa: Oficinas de Práticas Esportivas, Oficinas de Práticas Artísticas, Oficinas de Práticas Agroecológicas, Oficinas Lúdico-Terapêuticas, Oficina de Comunicação, Contações de histórias e disponibilização do Balaio de Livros e de Brinquedos, além de sessões de cinema comentado. Essas são atividades estratégicas para maior envolvimento das crianças e adolescentes, favorecendo o desenvolvimento da criatividade, aguçando a visão crítica, estimulando a participação ativa, o respeito, senso de coletividade, a consciência cidadã, promovendo o enfrentamento dos diversos tipos de violência.

No outro eixo, voltado para as Famílias, buscamos apoiá-las para que sejam capazes de cumprir suas responsabilidades na educação de seus filhos. Nesse eixo são ofertadas Reuniões Socioeducativas, Encontros de Pais e Cuidadores, Visitas Domiciliares, Oficinas referentes à Agroecologia e Extrativismo, Curso de Plantas Medicinais, entre outras. O trabalho junto às famílias é de extrema importância para superação das violações de direitos e a este se articula o próximo eixo que é voltado para a Fortalecimento de Ações junto a Rede Protetiva.

A consolidação de parcerias é o que vem permitindo avanços no decorrer da trajetória do projeto Alianças no Sertão. Por meio delas se tornam possíveis o que antes eram apenas ideias, sonhos, desejos. Nessa caminhada sabemos o quanto é árduo o trabalho que tem como objetivo a garantia dos direitos das crianças e adolescentes diante da realidade que impõe diversos desafios para a superação de diferentes tipos de violência que ocorrem no dia-a-dia.  

 

ROMPENDO OS SILÊNCIOS*

 

O mês de maio é marcado nacionalmente pelo Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, reforçado no dia 18. A violação de direitos das crianças e de adolescentes é uma realidade que está presente não apenas na cidade, como também no campo. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ocorrem no Brasil, por ano, cerca de 100 mil casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Desses números, em mais de 70% dos casos, o violador é algum familiar de primeiro grau.

Pensando em superar esse tipo de violência o Alianças no Sertão, tem proposto estratégias para romper o silêncio, através da denúncia e fortalecendo um trabalho em rede, com conselhos e órgãos de assistência social, para que as crianças e adolescentes que forem vítimas de abuso ou exploração sexual sejam afastadas dessa realidade.

Conversamos com Polyanna Alves, psicóloga e colaboradora do CAA-NM no projeto, para entender a importância da luta contra a violência contra crianças e adolescentes. Confira:

 

Você acha importante falar sobre violência infantil e trabalhar essa temática nas comunidades rurais do Norte de Minas?

Polyanna Alves: O fenômeno de violência sexual contra crianças e adolescentes é algo que não podemos deixar de mobilizar nossos amigos, familiares, conhecidos e os representantes do poder público, pelo fato de que a violência sexual contra meninos e meninas ainda é uma realidade em nosso país. As crianças e adolescentes não possuem maturidade e clareza para identificar, proteger e enfrentar situações de violência, tornando-se assim vulneráveis. Promover o diálogo sobre essa temática é exercer nosso compromisso e ampliar a conscientização das comunidades sobre a gravidade da violência sexual e prevenir novos casos. Por isso é de extrema importância esse trabalho voltado justamente para as comunidades rurais, trabalhando os direitos das crianças e o enfrentamento ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes.

Como a metodologia usada pelo Alianças pode auxiliar na abordagem desse tema com as crianças?

Polyanna Alves: As atividades lúdicas envolvem, de modo geral, as brincadeiras, que pode ser entendido como a ação pela qual a criança representa suas vivências, possibilitando compartilhar experiências, favorecendo a comunicação, principalmente, quando a linguagem comum é insuficiente para exteriorizar seus conflitos.


A violência aparece de diversas formas, tanto física quanto psicológica, quais marcas as crianças e adolescentes que sofrem agressões podem levar para a fase adulta?

Polyanna Alves: A violência sexual contra crianças e adolescentes é apontada como um problema de saúde pública, devido seus efeitos negativos para o desenvolvimento cognitivo, emocional, comportamental e físico das vítimas. O corpo pode não ficar marcado por lesões físicas, porém os danos emocionais não visíveis podem acompanhar a vítima ao longo dos anos. Segundo os dados epidemiológicos, a maioria dos abusos sexuais contra crianças e adolescentes ocorrem dentro da casa da vítima, se configurando como abuso sexual incestuoso, sendo o pai biológico o principal culpado. As meninas são as principais vítimas, principalmente, dos intrafamiliares, e a idade de início dos abusos é precoce, entre 5 e 10 anos. Os efeitos do abuso na infância podem se manifestar de várias maneiras, em qualquer idade da vida, trazendo prejuízos em longo prazo e desencadeando diversas alterações de ordem psicológica e funcional, entre as quais: depressão, idéias suicidas, ansiedade e transtorno do estresse pós-traumático.

Como você acha que isso prejudica a vida em sociedade, como denunciar esses casos?

Polyanna Alves: Poderíamos dizer que as consequências disso, leva a pessoa a se sentir isolada e marginalizada. Surgem dificuldades de estabelecer limites nas relações interpessoais e de controlar os afetos, comportamentos antissociais, por isso é extremamente importante a informação e a divulgação de formas de proteção para evitar o abuso, romper o silêncio e denunciar aos serviços de proteção mais próximo (delegacia ou conselho tutelar), entrar em contato com o número 190, caso queira fazer uma denúncia a polícia, ou também no Disque 100, número de Denúncia Nacional de abuso e Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes.

 

* Entrevista cedida à equipe de comunicação do CAA/NM


Postado por: Indinayara Francielle Batista Gouveia
Editado por: Indinayara Francielle Batista Gouveia