Publicado em 7 de Agosto de 2017 às 18:00
Nos dias 28 e 29 de julho, mais de 100 lideranças de povos e comunidades tradicionais (PCTs) do Norte de Minas se reuniram durante o 7º Encontro da Articulação Vazanteiros em Movimento, realizado no Quilombo da Lapinha, em Matias Cardoso. Na ocasião, as(os) participantes tiveram a oportunidade de discutir conflitos socioambientais enfrentados, a atual conjuntura geopolítica brasileira, bem como refletir sobre os avanços e retrocessos das lutas por reconhecimento de direitos territoriais no Norte de Minas. Em dois dias de encontro foram realizados grupos de trabalho, os quais apresentaram caminhos de enfrentamento às violações de direitos sofridas pelos PCTs.
Estiveram presentes representantes dos Quilombos de Manga, Praia e Lapinha, Associações dos Vazanteiros de Itacarambi, Comunidade de Pau Preto, Ilha de Pau de Légua e Ilha da Ressaca, indígenas Xakriabá, Liga dos Camponeses Pobres do Norte de Minas e Sul da Bahia (LCP), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Prefeitura de Matias Cardoso, Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA/NM), Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental (Niisa/Unimontes) e Rede Tropi Dry.
"Esta assembleia, que possibilitou a reunião de tantos povos e comunidades tradicionais, além das entidades parceiras, significa uma reconquista da nossa luta", declarou a vazanteira e liderança do Quilombo da Lapinha, Dermira Ferreira Borges, mais conhecida como Deca. "É por meio de diálogo e da troca de saberes e ideias que conseguimos nos fortalecer", acrescentou.
Alguns exemplos disso, como mencionou Deca, que vive há 12 anos no território, são os conhecimentos proporcionados pelo trabalho junto às técnicas(os) e pesquisadoras(es) das instituições e articulações, além do contato com outras realidades, por meio de intercâmbios, capacitações em agroecologia, construção de tecnologias sociais de captação de água da chuva, entre outras ações.
Outra importante conquista da Articulação Vazanteiros em Movimento é a parceria com advogadas(os) e pesquisadoras(es) das entidades citadas, as(os) quais têm dado todo apoio à luta via mediação com órgaos estaduais e federais, bem como elaboração de diagnósticos socioambientais e relatórios antropológicos, a fim de possibilitar o reconhecimento dos territórios desses povos.
"Recentemente, por meio do GT de Conflitos Ambientais com Unidades de Conservação da Comissão Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais, conseguimos interferir na aprovação de um termo de compromisso entre comunidades cujos territórios são sobrepostos pelos parques e as instituições ambientais fiscalizadoras", relatou a pesquisadora do Niisa/Unimontes e integrante da Comissão, Felisa Anaya. "As comunidades não sabiam do que se tratava, não foram chamadas para discutir, então, a gente (Niisa) pediu para que fosse construída uma instrução normativa que desse diretrizes para se pensar esse termo de compromisso, uma vez que o que foi exposto só impunha obrigações para as comunidades”, completou.
Contexto atual dos PCTs
Samuel Caetano, geraizeiro e colaborador do CAA/NM, conduziu um dos grupos de trabalho e apresentou um panorama geral da situação vivida pelos PCTs após a mudança de governo. “Temos que nos perguntar, todos os dias, como o golpe está afetando as nossas vidas, e também, quais foram as conquistas trazidas pelo governo de esquerda. A primeira delas foi deixar de ser invisível, pois nós éramos, desde o processo de colonização”, provocou. “Por outro lado, foi criada a Comissão Nacional de PCTs, mas nenhum marco regulatório que garantisse territórios, a agroecologia, o acesso a crédito, chegou a ser efetivado. É inocência achar que esse governo de agora vai fazer algo por nós, então, é momento de refletir sobre a melhor forma de nos organizarmos para resistir e avançar”, concluiu.
Frente ao contexto exposto, Clara Guimarães, representante da LCP do Norte de Minas e Sul da Bahia, convocou os povos à luta: “Hoje, o povo está muito mais politizado, mais consciente da necessidade de lutar por seus direitos, de se organizar, de fortalecer suas articulações. Não podemos esperar nada do Estado. Nossas reivindicações não serão atendidas, pois os governos existirão para defender a permanência do latifúndio. Nós, o povo, que produzimos, que sustentamos, que transformamos, temos condição de fazer muito mais”, finalizou.
Encaminhamentos
Dessa maneira, como encaminhamentos do encontro, levantou-se a necessidade do fortalecimento continuado da Articulação Rosalino Gomes – a qual possibilitou a unificação de lutas e intercâmbios entre povos; do envolvimento das juventudes nos processos de reconhecimento de territórios; e da resistência frente às perseguições da fiscalização ambiental que, ao invés de contribuírem para a preservação dos recursos naturais, em especial, da bacia do Rio São Francisco, têm se posicionado ao lado dos agentes historicamente responsáveis por sua degradação.
"É tempo de olhar o horizonte, é tempo de sonhar. É tempo de ter coragem. É tempo de nos unirmos, de darmos os braços, para lutar contra os poderosos. É tempo de resistir. Quem resiste sonha", assim concluiu Maria Zilah de Mattos, representante da CPT que, há mais de décadas, acompanha a luta das ocupações de trabalhadoras e trabalhadores rurais sem-terra, comunidades quilombolas, vazanteiras e indígenas nos municípios de Manga, Matias Cardoso e região.
Postado por: Paula Lanza Barbosa
Editado por: Paula Lanza Barbosa