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Povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais participam de capacitações sobre REDD+

Publicado em 6 de Dezembro de 2017 às 10:26

Povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais participam de capacitações sobre REDD+

O debate sobre a estratégia de Redução das Emissões Provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal, Conservação dos Estoques de Carbono Florestal, Manejo Sustentável de Florestas e Aumento de Estoques de Carbono Florestal (REED+), voltada ao bioma Cerrado, é recente e ainda pouco difundido no Brasil. Uma vez que o governo brasileiro iniciou a implementação da política de REDD+, é fundamental que a sociedade, em especial os Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais, façam parte dessa discussão, a fim de se apropriarem do tema e fortalecerem seu posicionamento.

Foi nesse intuito que o DGM Brasil realizou um seminário em Brasília, de 18 a 20 de outubro, com a participação dos representantes dos 41 subprojetos aprovados em seu primeiro edital, e uma oficina em Montes Claros, nos dias 05 e 06 de outubro, com a presença de técnicos, associados e diretores do CAA/NM lideranças indígenas e de comunidades tradicionais do Cerrado mineiro.

As atividades foram conduzidas pelo consultor Ronaldo Weigand, que introduziu o tema com conhecimentos sobre mudança do clima, como as decisões sobre ações para mitigar a mudança climática são tomadas, definição e arquitetura de internacional de REDD+, Fundo Amazônia, Estratégia Nacional de REDD+ (Enredd+), nível de referência para cálculo de REDD+ na Amazônia e no Cerrado e salvaguardas socioambientais.

“Como muitos de nós caboclos não tivemos a oportunidade de estudar, porque a gente começava a trabalhar desde criança e não era possível conciliar com o trabalho intenso nas roças, acho que esse estudo que estamos fazendo aqui é muito interessante, porque conseguimos fazer ligação com a nossa prática no campo e assim valorizar ainda mais nosso protagonismo histórico como defensores da agrobiodiversidade”, declarou Seu Braulino Caetano dos Santos, geraizeiro da comunidade de Pinheiro (MG), diretor de finanças do CAA-NM e integrante da Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais.

Uma vez que esses grupos mantêm e protegem a vegetação nativa através do uso sustentável dos seus territórios, assim, para que continuem não desmatados e recuperando suas áreas degradadas, são necessárias políticas de apoio a essas comunidades. Portanto, a REDD+ pode vir a se apresentar  como uma alternativa às demais estratégias de conservação da biodiversidade que não levam em conta a atuação e a relação de ancestralidade dos ocupantes originários com aquele território.

“Se ainda fôssemos os únicos habitantes do Cerrado, o bioma estaria plenamente conservado, e é por isso que fazem os parques, ou Unidades de Conservação, justamente em cima dos nossos territórios”, avaliou Seu Braulino. “E quando fazem os parques, nós, que somos protagonistas da preservação, acabamos expulsos. Por isso é muito importante que a gente tome consciência desses temas que colocam em jogo os nossos direitos e nossa autonomia”, acrescentou.

Seu Ednan Pereira da Silva, guardião de sementes da comunidade de João Congo, município de Varzelândia (MG), também participou da oficina realizada em Montes Claros. “Nós sempre soubemos que o nosso Cerrado precisa ser preservado, por isso a gente já faz um trabalho preventivo há muito tempo, de resgate e multiplicação de sementes crioulas. Na comunidade construímos uma casa de sementes e cultivamos espécies nativas do Cerrado. Produzimos, guardamos e trocamos sementes de milho, feijão, hortaliças, sendo todas as espécies adaptadas ao bioma. Isso faz com que nós não precisemos utilizar adubo e veneno, os quais são demandados pelas plantações com sementes transgênicas”, contou. “Há muitos anos temos trabalhado junto às famílias da comunidade, conscientizando acerca dos benefícios da utilização das sementes crioulas. Agora, com mais essa experiência da oficina, poderemos enriquecer nossas práticas e ampliar o debate”, completou.

Após cada explicação teórica, o consultor Ronaldo Weigand abria espaço para os participantes discutirem as principais questões em grupos e socializarem com os demais. “De forma geral, a percepção é de que o seminário foi muito positivo e bem sucedido nos seus objetivos. É importante continuar a discussão sobre REDD+ e pressionar pela sua implementação no Cerrado considerando os interesses dos povos e comunidades tradicionais”, avaliou.

Troca de saberes

Em Brasília, além da abordagem conceitual trazida por Ronaldo Weigand, o Seminário contou ainda com as contribuições de representantes dos Ministérios do Meio Ambiente (MMA), da Fazenda (MF) e das Relações Exteriores (MRE), Instituto Socioambiental - ISA, Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional ( FASE), Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN), Conservation International (CI), BNDES/Fundo Amazônia, entre outros órgãos e entidades.

As mesas redondas, palestras e debates tiveram como foco a definição de REDD+, as políticas públicas governamentais e não governamentais de promoção de REDD+ no Brasil e no mundo, experiências de REDD+ apoiadas pelo Fundo Amazônia, cálculo do REDD+ do Cerrado, formas de acesso aos recursos de REDD+ e desafios e oportunidades de REDD+ para Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais.

“REDD+ é uma forma estabelecida pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) de recompensar os países em desenvolvimento pelos seus esforços de redução de desmatamento, portanto, é preciso haver um marco nacional de distribuição dos possíveis recursos”, explicou Monique Ferreira, analista ambiental do Ministério do Meio Ambiente. “A implementação de REDD+ no Cerrado está avançando, porém, a estratégia de aplicação nesse bioma pode ser diferente da Amazônia, em que a REDD+ é gerida por meio de Fundo”, completou.

Nos intervalos das discussões, as lideranças das comunidades trouxeram questionamentos que enriqueceram o debate. A maioria das perguntas girou em torno da garantia efetiva da participação e autonomia dos povos e comunidades na formulação da estratégia de REDD+ no Cerrado. Essas questões foram tratadas pelos especialistas presentes.

Desafios

No Brasil, a Estratégia Nacional de REDD+ (Enredd+) conecta as políticas públicas nacionais com as regras internacionais. Começou a ser elaborada em 2010 e foi lançada em 2015. Seu arranjo institucional envolve câmaras consultivas com 30 membros, com distribuição regional e buscando uma representatividade equilibrada. A ideia é que a Enredd+ reconheça povos indígenas e comunidades tradicionais e tenha uma abordagem regional visando à construção de uma abordagem nacional. Porém, a composição da Comissão Nacional de REDD+, que é o órgão deliberativo, está sendo reavaliada e deverá haver alterações para aumentar a representatividade de Estados, municípios e sociedade civil.

“O país avançou muito na estruturação de REDD+, que não dialoga em nada com a discussão no Congresso Nacional, que vai na contramão. Não adianta estratégia de REDD+ se toda a estratégia de desenvolvimento nacional vai na direção oposta”, ponderou Adriana Ramos. “O arranjo da Comissão Nacional de REDD+ (Conaredd+) e seu conceito de participação social não são suficientemente inclusivos. Só tem dois assentos para a sociedade civil. O Governo precisa reconhecer o direito de voz e veto das comunidades. Linhas diferentes no passado financiavam as comunidades, que faziam atividades de REDD+ com outros nomes. Os nomes mudam, mas a luta é a mesma. Não muda o que se faz no território.”, acrescentou.

O Cacique Domingos Xakriabá, da Terra Indígena Xakriabá, município de São João das Missões (MG), membro da Câmara Consultiva Técnica de Salvaguardas da Conaredd+, analisa: “A representatividade dos povos e comunidades tradicionais nesses espaços deveria ser maior, não só em termos de quantidade de participação das pessoas, mas também nos processos de decisões”, disse. “Nós temos contribuído bastante com nossas práticas e experiências, mas sinto que ficamos prejudicados quando se trata da participação nos processos decisórios, que tem sido bem pouca comparada à diversidade de povos e comunidades tradicionais que a gente tem no país”, completou.

Segundo Domingos, além do desafio da baixa representatividade e da falta de apoio à participação dos povos e comunidades nas discussões, há ainda a barreira do tecnicismo dos debates. “Já venho participando de vários encontros relacionados ao tema, mas a gente não consegue pegar muita coisa de uma vez, porque os dados apresentados são discutidos mais tecnicamente e cientificamente”, falou. “Quando se tem uma oficina como a realizada aqui em Montes Claros, que usa uma forma mais adequada de entendimento, a gente consegue agregar um pouco mais ao conhecimento que a gente já tem”, elogiou Domingos.

Capacitações nas comunidades

No último dia de seminário foram formados dois grupos de trabalho, conduzidos por membros da equipe-chave do DGM Brasil, para discutir desafios e oportunidades de REDD+ para povos e comunidades tradicionais. A partir de toda essa troca de conhecimento durante três dias de seminário e dois dias de oficina, será elaborado um vídeo pela equipe do DGM Brasil. O objetivo é oferecer suporte aos participantes, para que se tornem multiplicadores e realizem capacitações em REDD+ em suas comunidades.

“Antes, eu não sabia direito o que era REDD+, mas depois desses três dias de seminário, saio com um bom entendimento que me possibilitará multiplicar o conhecimento como uma alternativa de incentivo às ações das comunidades que sempre preservaram a natureza”, afirmou Wanderleia Rosa, liderança da comunidade quilombola de Vão de Almas, no Território Kalunga, município de Cavalcante (GO). “Esse seminário foi um meio da gente buscar conhecimento por meio das experiências e ensinamentos dos técnicos, até pra gente fazer uma provocação de luta pela criação de um fundo voltado aos povos que moram no Cerrado”, completou.


Postado por: Paula Lanza Barbosa
Editado por: Paula Lanza Barbosa